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“Constituições”, por Marco Tanoeiro

No último dia 25 de outubro a população chilena compareceu às urnas para decidir sobre a elaboração de uma nova Constituição naquele país. Ao final da apuração, 78% dos votantes concordam que o texto constitucional herdado do período ditatorial de Pinochet não serve aos interesses da sociedade. Foi o desfecho vitorioso de um movimento popular iniciado um ano antes e que ficou conhecido como “estouro social”.

O descontentamento do povo chileno para com sua Constituição é facilmente identificável. Miriam Henríquez Viñas, professora de Direito Constitucional da Universidade Alberto Hurtado, explica: “Uma das questões mais criticadas é sua ilegitimidade de origem; é precisamente o fato de ter sido elaborada durante uma ditadura militar”. Gilberto Aranda, professor do Instituto de Estudos Internacionais da Universidade do Chile, concorda com ela: “A Constituição de 1980 foi obra do regime militar e, para um setor muito relevante da sociedade chilena, tem uma origem ilegítima”.

Em resumo, o povo chileno decidiu que um país, para viver uma democracia plena, necessita de uma Constituição construída, discutida e aprovada também de forma democrática. Mostrou ao Mundo, de forma contundente, que o fantasma do genocida Pinochet não mais assombrará o país a partir de sua Carta Magna. Concordo com os chilenos.

Porém, na América Latina sempre há um espertalhão tentando tirar proveito da situação. Logo no dia seguinte ao plebiscito chileno, em um evento promovido pela Associação Brasileira de Direito Constitucional, o líder do governo na Câmara dos Deputados, Ricardo Barros, afirmou que o país precisa de uma nova Constituinte. Justificou sua fala com a premissa de que a Carta Magna brasileira tornou o país “ingovernável”.

Ricardo Barros declarou posteriormente ao Estadão: “Eu pessoalmente defendo nova assembleia nacional constituinte, acho que devemos fazer um plebiscito, como fez o Chile, para que possamos refazer a Carta Magna e escrever muitas vezes nela a palavra deveres, porque a nossa carta só tem direitos e é preciso que o cidadão tenha deveres com a Nação”. Pobre exercício de retórica.

Antes de mais nada é preciso dizer que o Chile de hoje é o Brasil dos anos 1987/88. O que o povo chileno anseia é que o processo de democratização constitucional iniciado naquele país em outubro de 2019 tenha como desfecho a promulgação de uma nova Constituição, tal e qual ocorreu por aqui.

A constituição de um país é, antes de tudo, uma carta de direitos aos cidadãos e deveres ao Estado. A alegação de que a Constituição Federal em vigor impõe uma dificuldade de gestão aos governantes é um verdadeiro descalabro. Dizer isso na esteira do plebiscito chileno é também uma afronta à inteligência do brasileiro.

Nesse sentido, deixo aqui a opinião do ministro do Tribunal de Contas da União, Bruno Dantas: “Tenho visto gente no Brasil tentando pegar carona no plebiscito chileno para reabrir o debate sobre uma nova Constituição por aqui. Estudar um pouco de história e entender a transição democrática deles e a nossa seria útil. Só para começar.” É isso.

(Esse texto não expressa, necessariamente, a opinião do site HojeDiário.com)