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“Finitude e eternidade”, por Marcelo Candido

Quando você me falou que seu pai não sobreviveria à intubação, achei sua resposta tão gélida que até parecia desprovida de afeto. Porém, como te conheço, sei que não era esse o seu sentimento. Aliás, muito pelo contrário! Diante de mim estava a mulher resoluta, disposta a garantir todos os meios para que a vida do pai pudesse durar os anos que ainda fossem possíveis. Por outro lado, conhecendo sua compreensão a respeito da finitude, sabia que você vislumbrava um ponto final sem nenhuma crença em vida “post mortem”.

Para você, a “eternidade” seria apenas uma combinação de fatores biológicos que levam adiante as características de seus ancestrais para marcarem a personalidade dos que vêm depois. Percebi, então, que mais do que afeto, havia naquela informação uma profunda compaixão. Este sentimento, mais do que a empatia diante do sofrimento de alguém, revela o pleno cuidado da pessoa que se dedica a dar assistência a quem está morrendo. A vida, ali, soltando o fio, para que a morte pudesse apagar a existência e dar início a saudade de quem se foi deixando seus acontecimentos ao longo do tempo. O pai vai embora, e a filha, cuja mãe já se fora, percebe-se órfã. Mas vislumbra a eternidade representada pela vida dos próprios filhos.

Viver sem medo da morte por acreditar na finitude, faz da morte não um hiato, como creem os que creem, e sim, um ponto final. Depois do qual, nada existe. Seu pai fez a curva da estrada, como pensava Fernando Pessoa, para quem, morrer, era apenas não ser visto. Você sabe que seu pai não se desintegrou e sim que se espalhou. Tomou todas as direções e alcançou o coração de quem com ele conviveu, e fará permanecer as memórias de sua existência, que muito valerão de ensinamento, de geração em geração, até os confins do tempo.

Tudo isso tem o condão de fazer permanecer em todas as pessoas com quem ele conviveu um pouquinho de quem ele foi. Isso representa a colheita do que ele semeou. Diferentemente de você, eu sei que Deus existe, e por saber, sei que o Pai guardava uma divina saudade de seu pai que agora está com Ele na imensidão do grande mistério que mantém a vida para a eternidade, embora parecendo finita.

(Esse texto não reflete, necessariamente, a opinião do HojeDiário.com)