Ariadne Ribeiro é mulher, mãe, mestre e doutoranda no Programa de Pós-graduação em Psiquiatria na Universidade Federal de São Paulo e hoje atua na Organização das Nações Unidas (ONU) como Oficial para Apoio Comunitário, Igualdade de Gênero e Direitos Humanos do UNAIDS, Programa Conjunto das Nações Unidas que luta pelo fim do HIV/AIDS.
Quem a vê hoje ocupando um dos postos mais importantes do mundo sobre políticas públicas de enfrentamento ao HIV e AIDS não imagina o que essa mulher enfrentou durante boa parte de sua vida.
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Sua inspiradora trajetória foi retratada nos mais importantes meios de comunicação do país e em muitos outros do exterior, e foi contemplada no livro Provas de Amor: histórias de esperança na luta contra as drogas.
Tive o privilégio de ser recebido por Ariadne em sua casa em Brasília, pois sua atuação frente a UNAIDS a fez estar na sede da organização do Brasil, na capital federal.
Embora seja uma história incrivelmente inspiradora, Ariadne nos alerta sobre diversas questões elementares, tais como a estrutural violência do nosso país, que perpetua a perseguição e a perversa transfobia que assassina pessoas trans e a brutal pedofilia a que ela também foi vítima.
Ariadne é uma mulher transgênero que após muita luta realizou a cirurgia de redesignação sexual. O corpo de menino nunca foi condizente com sua alma de mulher e na luta pela própria identidade, Ariadne conheceu, lamentavelmente a violência sexual, marca de uma perversa realidade que afeta a vida de muitas crianças e mulheres.
Sua infância foi marcada por profundos episódios de violência, e, aos nove anos, foi abusada por uma pessoa acima de qualquer suspeita; a crueldade da pedofilia atravessou o corpo de uma pequena criança e a afetou por boa parte de sua vida, diversas outras cenas de violências e agressões fizeram a sua infância e adolescência naturalizar o caos, desse modo, na procura de esperança, amor e proteção, aos treze anos, Ariadne vai morar com sua amada vó Neusa.
Foi na casa de sua avó que o colorido da vida contemplou Ariadne, que o sorriso fez moradia em seu rosto e que a paz habitou em sua alma. Foi Dona Neusa, a amada vó que lhe deu o nome de Ariadne e a acolheu com todo o amor do mundo, mas, infelizmente, aos 18 anos, sua amada vó vai morar no céu e aqui na terra, Ariadne conhece as mais brutais formas de violência.
Sem a proteção de sua amada vó, sem emprego, sem moradia, sem proteção e alternativas, Ariadne conhece a prostituição, e com ela o uso de drogas para suportar a violência que era depender da exploração do corpo para matar a fome, no mesmo período em que o uso de drogas se torna uma alternativa para fugir do caos, que volta fazer morada em sua vida.
Ariadne, assim que perdeu a avó, sofre um estupro e em consequência do estupro contraí HIV. Sem forças, sem a proteção da avó, o uso compulsivo de drogas se intensifica, até a primeira internação.
A internação garante um período provisório de proteção, mas logo após quatro meses, tudo volta ao normal, violências, uso compulsivo de drogas e a chegada do Crack. Ariadne se torna mercadoria nas mãos dos agressores a ponto de ser vendida por um companheiro com quem se relacionava. Élio compra Ariadne em troca de alguns papelotes de cocaína, sem o consentimento dela, e com “seu produto” em mãos, tornou-a a mãe de seu filho, e embora ela tenha dedicado a vida a esse amor, o relacionamento termina após muita violência doméstica e a tentativa de transfeminicídio.
Ariadne conhece a violência patrimonial, doméstica, sexual, psicológica e o ciclo de violência que as mulheres são submetidas faz parte de seu cotidiano. É com Élio que ela se aprofunda no crack, mas é também com ela que ganha seu filho, o seu presente maior.
Élio deixa seu filho com Ariadne para passar alguns dias, mas retorna após alguns meses e esse episódio marca a relação profunda entre mãe e filho. Ao retornar, Élio confere o quanto o seu filho foi amado e protegido, por tal razão, decide que ela seria sua companheira.
Quando tudo parecia caos, quando a luz parecia não iluminar, quando a paz parecia não existir, essa criança teve um poder mágico de potencializar em Ariadne uma esperança tamanha, que foi com ela e por ela, que lutou contra as drogas.
Após diversas outras cenas de violência de Élio bem como o uso abusivo no crack, Ariadne vai para a segunda internação, a última. Foi nela que elaborou o autoconhecimento, o amor-próprio e desenvolveu forças para estudar e vencer as drogas.
Após anos de abandono escolar, retoma os estudos, consegue encerrar o Ensino Médio, ingressa em uma excelente Universidade e a partir de então, sua vida ganha novos contornos e sua identidade é forjada na luta em defesa ética da vida e das pessoas mais vulneráveis.
Ariadne Ribeiro foi uma das primeiras pacientes do Hospital das Clínicas a fazer a cirurgia de mudança de sexo, mas não se tornou mulher de fato e de direito por conta da cirurgia, ela assim o era desde que nasceu, mas como diria Simone de Beauvoir, tornou-se mulher ao ficar em paz com isso, e isso a fez conquistar seu lugar no mundo.
Atuou profissionalmente na Fundação Casa, no Centro de Infectologia de Itanhaém, em Comunidades Terapêuticas, até que iniciou os estudos na Universidade Federal de São Paulo, onde a mesma que está encerrando seu doutoramento, trabalhou no maior Centro de Referência em Drogas da América Latina, e seu trabalho proporcionou a primeira experiência exitosa de serviço público brasileiro apresentada numa das reuniões mais importantes do UNAIDS.
Ariadne realizou cursos de especialização, mestrado, ingressou no doutorado e em 2019 participou do processo seletivo da ONU, onde foi aprovada e desde então, atua no UNAIDS.
Sua luta é inspiradora, sua história é referência mundial e no mês alusivo ao Dia Internacional das Mulheres, Ariadne Ribeiro tem muito a nos ensinar.
Nos cabe a gratidão por toda sua insistência na luta, a admiração por uma trajetória que nos ensina a força da resiliência, da fé, da coragem e o poder transformador do amor.
Ariadne Ribeiro nos ensina também a força da frase de Renato Russo “quem acredita, sempre alcança”.
Felix Romanos (Instagram: @felixromanos)
(Este texto não reflete, necessariamente, a opinião do HojeDiario.com)