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“Comunidades terapêuticas no Brasil: a complexidade além do caos”, por Felix Romanos

No último domingo (19/06), o programa Fantástico publicou uma longa reportagem denominada “A farsa das Comunidades Terapêuticas”; nos 23 minutos de reportagem, a matéria colocou no ar o resultado de dois meses de investigação sobre a atuação de algumas Comunidades Terapêuticas que recebem financiamento público.

Foi apresentado, entre outras coisas, justificativas da dependência química como resultado de “maldição”, medicamentos manipulados pelos próprios internos, rotina de castigos, intolerância religiosa e práticas de repressão a orientação sexual.

Segundo a reportagem, há uma média de 80 mil pessoas assistidas em cerca de 5 mil Comunidades Terapêuticas por todo o país. A Federação Brasileira de Comunidades Terapêuticas (FEBRACT) é a responsável por representar um conjunto substancial de instituições, entretanto, nenhuma de suas mais de 300 filiadas foram objeto da reportagem exibida no Fantástico.

Ainda sobre a reportagem, as Comunidades Terapêuticas atuam segundo o tripé trabalho, disciplina e espiritualidade, e a partir desse tripé, condições diversas foram apresentadas em lugares diversos, a fim de evidenciar as incoerências desses pressupostos com as práticas de fato vividas nas comunidades investigadas.

Sobre a determinante do trabalho, no interior de Minas Gerais, foram identificadas práticas de tortura nas condições de trabalho realizadas pelos internos no Piauí e Maranhão. Foi apresentada a precariedade do trabalho a partir de imagens registradas na Comunidade Terapêutica Fazenda da Paz.

Sobre a disciplina, a Fundação Doutor Jesus, no estado da Bahia foi apontada com denúncias sobre a restrição do tempo de banho dos internos determinado a 25 segundos, além de placas afixadas nos pescoços daqueles que saem da instituição, os internos considerados indisciplinados, segundo a reportagem. Somado a placa no pescoço, recebem também como punição a redução de comida. Também foi apontado descrições de internos que denunciaram que os “indisciplinados” eram amarrados e expostos a picadas de insetos.

Quanto a espiritualidade, o último aspecto do tripé, a reportagem centralizou a análise na determinante religiosa, sobretudo da perspectiva cristã (católica e/ou evangélica) como suficiente para o alcance da recuperação e não tratamento médico/terapêutico, para tanto, foi apresentado a atuação da Comunidade Desafio Jovem Maanaim, onde a “abstinência seria esquecida pelo próprio Deus”.

A obrigatoriedade da partilha da fé também foi denunciada na reportagem, onde os internos são condicionados as prédicas de fé. Por outro lado, internos homossexuais foram apontados como pecadores e segregados em alas isoladas para os “resistentes”.

A matéria abordou também o aumento exponencial no volume de recursos destinados as Comunidades Terapêuticas. Em 2019, foram repassados R$ 81,2 milhões para essas instituições, já em 2021, houve um crescimento de 65%, saltando para R$ 134,3 milhões, enquanto no mesmo período, o Centro de Assistência Psicossocial (CAPS/CAPS-AD) teve aumento de apenas 11%.

Sobre a reportagem em si, há de se destacar que as Comunidades Terapêuticas são plurais, as milhares delas não apresentam homogeneidade, portanto, não podemos afirmar que os fatos denunciados na reportagem do Fantástico representam em absoluto o cotidiano das comunidades terapêuticas, mas sim, aspectos de um conjunto de instituições que estão deslocadas de seus propósitos e que devem sim ser denunciadas e investigadas pelos órgãos competentes.

Se há repasse de verba pública, é urgente que exista fiscalização e regulação das ações de comunidades terapêuticas e/ou qualquer outra instituição. Entretanto, todas elas devem salvaguardar os direitos humanos, a dignidade de seus internos e apresentar em seu plano de trabalho, condições de tratamento amparadas na defesa do compromisso ético da vida.

Eu estive internado por mais de uma dezena de vezes e nos mais distintos perfis de comunidades. Em muitas delas, posso corroborar as denúncias apresentadas na matéria do Fantástico, porém, em muitas outras, testemunhei trabalho sério, ético, profissionais de excelência profissional e profundo respeito a dignidade humana.

Colocar as comunidades no mesmo balaio de gatos é um equívoco que a matéria não cometeu, e deixou claro isso quando um dos entrevistados afirmou: “generalizar o serviço de comunidade terapêutica como se todo ele fosse inadequado, que desrespeita e viola os Direitos Humanos é um equívoco […] O que podemos compreender é que há uma falta fundamental de uma fiscalização efetiva”.

O tema deve ser sim problematizado, as diversas comunidades sérias respeitadas e seus serviços referenciados. Entretanto, as milhares de instituições que praticam tortura, homofobia, intolerância religiosa e condições de exploração de trabalho, devem sim ser denunciadas e, se necessário, interditadas, com seus diretores condenados.

(Este texto não reflete, necessariamente, a opinião do HojeDiario.com)