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“Cinco ponto dois”, por Marcelo Candido

Esperei que os primeiros raios de luz emanados pelo sol pudessem alcançar este torrão de terra, para então, inspirado pelo espírito da gratidão ao tempo, poder celebrar os enigmas da minha existência, através da produção de um texto confessional alinhavado neste mesmo dia, 52 anos depois do primeiro, quando fui observado pelos meus pais que uma vez mais se encantavam diante da maravilha do nascimento de um filho.

Acredito que pais e filhos sejam construções da eternidade, que definiu na forma humana um jeito de resguardar a infinitude do tempo, sem nos dar a perceber que lançar diante do futuro um novo ser para a existência longeva de uma única espécie em um universo inescrutável seja a maior prova da fé na existência.

Acredito que a inelutável vontade de prosseguir nos faça crer na existência da vida eterna. Crença que possibilita sermos assistidos por quem já partiu, mas continua a emanar o amor paternal e maternal de quem depositou suas esperanças na sucessão de sua geração, sob a proteção da presença de um amor tão sagrado e infinito que se torna limitante nominar.

Sou grato por tudo o que vivi e por tudo o que ainda hei de viver. A data que marca o nosso surgimento no planeta deveria ser, sobretudo, a ocasião em que agradeceríamos a quem, na explosão do amor e do desejo, nos deu a vida. E mesmo que uma parte já tenha deixado este mundo, como no meu caso, que minha mãe siga a acalentar nesta data a minha maior e mais completa gratidão, e meu pai o meu mais profundo amor. O amor que une a cada um de nós à outra pessoa faz desabrochar no mundo mais uma vida como manifestação da nossa fé na humanidade. Isto revela o quanto somos esperançosos diante de um futuro que, necessariamente, não estará sob nossa regência. Mesmo assim, requer nossa participação por meio da sucessão de geração a geração, até os confins do tempo.

A vida é um milagre que espalha sobre o planeta suas diferentes formas de manifestação. No plano macroscópico, somos imperceptíveis como espécie pela incalculável dimensão do universo, mas somos também a forma que este mesmo universo encontrou para interpretá-lo e sondar a sua espetacular e inexplicável existência, pela força da ciência. Nossa espécie, sobre a Terra, roga para si toda a importância do mundo, mas no íntimo entende sua vulnerabilidade, pois os seres humanos sabem que morrer é inevitável. Pude usufruir com intensidade daquilo que a vida até aqui ofereceu. Grandes alegrias. Tristezas dilacerantes.

Assombro diante do milagre de gerar outra vida, fruto do sentimento mais extraordinário, que é o amor. Aprendi a suportar as injustiças para não sucumbir, mas, acima de tudo, aprendi que combatê-las é aquilo que há de mais imperioso na vida de um ser humano. Espero seguir amando a vida e as pessoas com quem compartilho a dignidade da existência. Aprender com as inevitáveis despedidas. Alegrar-me diante de novas e boas experiências. Até que chegue o dia da minha partida e, então, se revele todo o esplendor do mistério que a materializou.

(Esse texto não reflete, necessariamente, a opinião do HojeDiário.com)