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“Texto lindo sobre o abraço”, por Padre Cláudio Taciano

Nesta semana, quero compartilhar com vocês um belo texto do Cardeal José Tolentino – vale lembrar que por ofício, o cardinalato o torna eleito um dos conselheiros do Papa. Tolentino é um português, poeta, professor e sacerdote, que nasceu em dezembro de 1965. É um texto muito enriquecedor e lúcido, escrito no jornal português Expresso, em janeiro de 2016. “Diz-se que o nosso corpo tem a forma de um abraço. Talvez por isso a tarefa de abraçar seja tão simples, mesmo quando temos de percorrer um longo caminho. O abraço tem uma incrível força expressiva. Comunica a disponibilidade de entrar em relação com os outros, superando o dualismo, fazendo cair armaduras e motivos, cedendo, nem que seja por instantes, na defesa do espaço individual. Há uma tipologia vasta de abraços, e cada uma delas ensina alguma coisa sobre aquilo que um abraço pode ser: acolhimento e despedida, congratulação e luto, reconciliação e embalo, afeto ou paixão”.

Os abraços são a arquitetura íntima da vida, o seu desenho invisível, mas absolutamente presente; são plenitude consentida ao desejo e memória que revitaliza. Todos nós reconhecemos aí: em abraços quotidianos e extraordinários, abraços dramáticos ou transparentes, abraços alagados de lágrimas ou em puro júbilo, abraços de próximos ou de distantes, abraços fraternos ou enamorados, abraços repetidos ou, porventura, naquele único e idealizado abraço que nunca chegou a acontecer, mas a que voltamos interiormente vezes sem conta”.

No princípio era o abraço, se pensarmos no colo que nos nutriu na primeira infância. Essa foi, para a maioria de nós, a primeira e reconfortante forma de comunicação. Mas a necessidade de um abraço acompanha a nossa existência até ao fim. O abraço é uma longa conversa que acontece sem palavras. Tudo o que tem de ser dito soletra-se no silêncio e ocorre que isto é tão precioso e, afinal, tão raro: sem defesas, um coração coloca-se à escuta de outro coração.

“Em teu abraço, eu abraço o que existe, a areia, o tempo, a árvore da chuva. E tudo vive para que eu viva”, garantem os versos de Neruda.

Calcula-se que um ser humano precise de 1500 abraços por ano para sobreviver. Dá uns quatro abraços por dia. Mas os números podem subir, pois encontram-se instruídos nessa humana ciência chamada ‘abraçoterapia’ a defender 12. Está também calculado – para quem ache graça à semântica dos números – que a duração média de um abraço entre duas pessoas é de três segundos. Mas há abraços mais demorados. O dos chamados “amantes de Valdaro”, por exemplo, tem pelo menos seis mil anos. Trata-se de dois esqueletos que remontam ao neolítico, descobertos, há não muito tempo, numa necrópole perto de Mântua, na Itália. Crê-se que pertenceram a uma mulher e um homem, entre os 18 e os 20 anos. Representam algo de único no mundo, quer pela antiguidade, quer pela posição em que foram encontrados: os corpos vizinhos e cruzados, o braço dele em torno do pescoço dela, numa espécie de abandono que talvez tenha sido o de um amor. Não há sinais de violência e, por isso, exclui-se a hipótese de terem sido mortos. O mais provável é que tenham perecido a uma doença, de fome ou de frio. Há seis mil anos, porém, o seu abraço permanece inalterado.

Um dos momentos mais extraordinários da arte contemporânea portuguesa é a sequência fotográfica de Helena Almeida sobre “O Abraço”. São sete imagens de grandes dimensões (180 x 100 cm) em que a fotógrafa e o marido se abraçam. Apenas isso. Estão ambos sentados num banco que só dá para uma pessoa e apertam-se, agarram-se e suplicam-se, buscando no outro amarra, como se navegassem numa jangada destinada a um naufrágio irremediável. Por vezes o abraço deles parece uma luta, por vezes um reencontro para sempre. Os corpos dão-se a ver numa fragilidade que dói, num equilíbrio mais do que precário, instáveis e tensos como não se julgaria. Mas são, em todo o tempo, o radical abrigo um do outro, a passagem mais do que a fronteira, o interminável espanto de reconhecer no corpo do outro o nosso e no nosso o do outro”.

Deus nos fez para a comunhão e para a proximidade. Se conseguirmos conviver melhor e se conseguirmos nos respeitar, seremos mais saudáveis, inclusive, na nossa espiritualidade. Deus nos abençoe e nos guarde. Amém.

(Este texto não reflete, necessariamente, a opinião do HojeDiario.com)