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Dia de Combate à Intolerância Religiosa: Aonde o Brasil está quando se trata dessa luta, segundo líderes religiosos

Neste domingo (21), foi celebrado o Dia de Combate à Intolerância Religiosa no Brasil. A data, que remonta a um direito fundamental, nem sempre é muito lembrada em um país que ainda enfrenta tanto preconceito religioso.
Mas onde o Brasil está quando se trata da liberdade de culto e tolerância religiosa? O portal HojeDiario.com perguntou isso a líderes religiosos do Alto Tietê para entender qual a sua visão.

A data foi estabelecida em 2007, instituída pela Lei Federal nº 11.635, de 27 de dezembro de 2007. A data foi uma homenagem à Iyalorixá baiana, fundadora do Ilê Asé Abassá, Gildásia dos Santos e Santos, conhecida como Mãe Gilda.
Em 2000, ela teve sua casa e terreiro invadidos por um grupo de outra religião, onde foi caluniada, perseguida e agredida física e verbalmente junto com o marido, sofrendo um infarto fulminante e falecendo.

A mãe de santo Karina Alves destaca que, apesar da importância da data, ela ainda não é devidamente respeitada no país.
“É muito importante esta data para todos nós! É fundamental para viver em sociedade. A liberdade religiosa é um direito humano básico, em todas as comunidades e culturas, povos e estados, e diz respeito à nossa ancestralidade. Mas, infelizmente, não é respeitada, fica só na teoria; na prática, isso não acontece”, disse.

Para ela, a falta de conhecimento a respeito das religiões de matriz africana e a supremacia histórica do Cristianismo são fontes de preconceito religioso.
“Tem muita diferença, por exemplo, entre Umbanda e Candomblé. A Umbanda é uma religião brasileira, uma mistura de muitas religiões com a doutrina espírita. Já o candomblé é uma religião africana, que veio para o Brasil através dos escravos, que eram impedidos de cultuar os seus Orixás por conta do Cristianismo, religião trazida pelos europeus com a colonização, que foi imposta a todos aqueles que aqui estavam, como uma religião suprema e única. Ainda hoje o Cristianismo é muito forte aqui no Brasil, e muitos creem nessa supremacia, motivando a intolerância religiosa”, ressaltou.

“A falta de conhecimento leva muitas pessoas a julgar tanto o candomblé quanto a Umbanda, as religiões de matriz africana em geral. Não percebem que são tão lindas, com suas tradições, respeito e amor, como qualquer outra, que só fazem o bem ao próximo. Mas, por terem suas raízes provindas dos povos africanos, sofrem muito mais preconceito. Infelizmente, acaba virando racismo e não só intolerância religiosa”, continua.

De acordo com o 2º Relatório sobre Intolerância Religiosa: Brasil, América Latina e Caribe, as religiões de matriz africana são as que mais sofrem preconceito e com crimes de intolerância religiosa no país. Em 2021, as notificações contra religiões de matriz africana cresceram acima de 270%, chegando a 244 casos.
E outras religiões também sofreram ataques semelhantes – entre elas a muçulmana, judaica e a indígena.

Para a mãe de santo, as punições para esses crimes deveriam ser mais severas e efetivas. “Apesar de existirem leis que garantem nossos direitos, ainda é necessário fazer valer, ser rigorosos quanto à punição. Muitos praticam a intolerância e saem impunes; quantas casas de axé são invadidas, depredadas, quantas pessoas são ofendidas na rua, quantas não conseguem vaga de emprego por conta da religião. Mas a partir do momento que se fizer valer as punições, aqueles que não reconhecem seu semelhante pelo amor, vão reconhecer pela dor”, afirmou.

Na compreensão de Karina, era de se esperar do Brasil um país mais tolerante, com maior liberdade religiosa.
“Somos um povo mestiço, somos negros (africanos), nativos (indígenas), europeus, mas, infelizmente, a liberdade ficou na teoria. O Brasil é considerado um país laico, mas na prática não é”, ressaltou.

Na opinião do pastor Humberto Augusto, da Igreja Batista Memorial em Mogi das Cruzes, o dia 21 de janeiro deveria levar à reflexão.
“Eu entendo que é uma data que pode fomentar a reflexão e autoavaliação acerca de como observamos e reagimos a crenças e cultos que diferem do que professamos”, disse.

Ele enxerga avanços na questão da liberdade de culto e da tolerância no país, mas ainda há muito a avançar.
“Esta é uma questão bem complexa e que, em minha opinião, ainda estamos ‘começando’ a pensar e avaliar com maior maturidade. Acho que em comparação há 30 anos (que é o tempo que consigo avaliar pela minha vivência) houve sim uma melhora na consciência e respeito, portanto, maior liberdade. Mas, não posso deixar de dizer que há ainda muita intolerância, de todos os lados das crenças – em minha opinião”, ressaltou.

Humberto ainda ressalta que é difícil entender e analisar de forma apropriada o crescimento dos evangélicos.
“Para um pastor (ou teólogo) entender o fenômeno do crescimento no número de evangélicos no Brasil é sempre um dilema. O ditado já dizia ‘os números não mentem’, mas tenho minhas dúvidas quando o assunto é o crescimento evangélico. Os evangélicos crescem sim, mas há muitos evangélicos nominais ou frequentadores de igreja mesmo. Ainda assim, este é um fenômeno que não dá para ser negado”, disse.

De fato, o crescimento dos evangélicos no Brasil é algo impressionante nos últimos anos. Um estudo do Ipea (Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada) mostrou que o número de igrejas evangélicas cresceu 54,5% entre 1998 a 2021, saltando de 26,6 mil para 87,5 mil. Uma pesquisa do Datafolha de 2020 apontou que 31% dos brasileiros eram evangélicos.
“Talvez um grande desafio do povo evangélico seja conseguir expressar a sua fé e crença de uma maneira ética, com o máximo de fidelidade à Bíblia Sagrada que é nosso manual de fé e prática, fazendo isso respeitando a livre consciência de cada um em crer ou não como nós cremos”, destacou.

Apesar de existir, principalmente na Bancada Evangélica, um discurso de perseguição religiosa e intolerância contra a religião cristã, alegando inclusive que haveria uma ameaça do fim da liberdade religiosa no país, o pastor discorda deste discurso.
“Particularmente, não vejo dificuldade para nós evangélicos em nossa liberdade de cultuar aqui no Brasil. O que percebo, às vezes, é um pouco de tensão pois nossa mensagem é percebida como muito conservadora, mas no geral, temos certa tranquilidade”, disse.

Padre Claudio Taciano, da Igreja Matriz de São Sebastião, em Suzano, também entende o dia 21 de janeiro como um momento de reflexão.
“É um convite não só à reflexão e à tolerância, mas também ao respeito mútuo. Na vida em sociedade, ninguém pode impor sua crença ao outro”, destacou.

Segundo o pároco, não há nada no Brasil, de forma institucional, que ameace a liberdade de culto, mas ainda há grupos extremistas que geram a intolerância no país.
“Não se pode ignorar que alguns pequenos grupos de fanáticos, de extremistas, criam algum tipo de constrangimento em relação àqueles que professam uma fé diferente da deles. Esse grupo mais hostil existe na maioria das expressões religiosas. Nada justifica a agressão e o constrangimento”, afirmou.

Taciano ainda afirma que nunca sofreu intolerância ou foi cerceado por quem quer que fosse, mas não quis limitar a realidade ao seu contexto.
“Pelo menos, dentro do contexto em que vivo e trabalho, não tenho percebido nenhuma dificuldade [em relação à liberdade e tolerância religiosa]. Há até evangélicos, espíritas, budistas, que, quando vão à missa por alguma razão, nos cumprimentam. Nunca me senti cerceado, nem pelo poder público, nem por aqueles que professam uma fé diferente da que eu professo. Mas, levando em consideração outros contextos do nosso imenso Brasil, seguramente, houve e há dificuldades neste sentido. Haja vista o número de padres, religiosos e religiosas, e cristãos leigos e leigas católicos assassinados desde o descobrimento do país”, ressalta.

Para o padre, o respeito à fé alheia é um dos sinais de uma fé saudável.
“O respeito e a civilidade cabem em todos os segmentos da sociedade. Se eu desrespeito o meu próximo, então que fé é essa que nutro? Se a educação evolui, a sociedade se humaniza”, afirma.

Futuro

Perguntada se acreditava que o combate à intolerância tinha avançado nos últimos anos, Karina disse que sim, mas que ainda há um longo caminho a se trilhar.
“Houve sim um pequeno avanço, mas isso tudo porque as pessoas começaram a perceber que precisam respeitar o direito de ser, de sentir, da liberdade e da existência do outro. Quando sentimos em nós mesmos todo o tipo de preconceito e intolerância, passamos a respeitar os sentimentos e valorizar a luta do outro, começamos a ter força para manifestar nossa religiosidade, andar com nossas guias no pescoço, falar abertamente que professamos a religião de matriz africana, que somos umbandistas e candomblecistas. Isso tudo motivou a aprovação de leis que amparam a causa, que reconhecem nossos direitos e liberdade de manifestar nossa religião abertamente”, disse.

Sobre o futuro, ela disse sonhar com algo mais fraterno e respeitoso, e menos julgador. “Sonho com um futuro com mais amor e respeito à religião do outro. Onde eu possa sair com um pano de cabeça (quando estiver de preceito) e não parecer que tenho uma doença contagiosa. Muitos já saíram de perto de mim falando ‘tá amarrado’, ‘vai para o inferno’ ou ‘sangue de Jesus tem poder’. É uma situação que nós, da religião de matriz africana, infelizmente sempre ouvimos”, finalizou.

Já para o Padre Claudio, a educação é uma chave mestra para lutar contra a intolerância no país.
“O Brasil está aperfeiçoando, a cada dia, os mecanismos de combate à intolerância religiosa. Se compararmos com a década passada, os cidadãos estão mais atentos a essa questão. O grande problema por trás da intolerância é o desrespeito e a agressividade, fruto do fanatismo. A formação e a educação são fundamentais para bem vivermos e convivermos. A pluralidade religiosa é um fato. Precisamos aprender a conviver e trabalhar com quem pensa diferente da nossa crença. A falta de esclarecimento pode tornar qualquer pessoa manipulada por algum líder mal intencionado”, disse.

“No futuro, espero uma sociedade mais humana e fraterna, capaz de respeitar as diferenças. A liberdade religiosa é uma conquista que precisa ser salvaguardada e protegida, em qualquer época e ambiente”, terminou.

Por fim, o pastor Humberto espera poder contribuir para um futuro respeitoso.
“Eu espero primeiramente conseguir ser um colaborador do respeito. Como pastor batista, acredito no que chamamos de plena liberdade de consciência, ou seja, as pessoas são livres para aceitar ou não a religião, rejeitar, mudar ou ainda não crer em nada. Não posso negar que, como líder religioso, não é raro ser desrespeitado, ser associado a alguma prática ruim por conta de uma ou outra história, mas eu vejo que é possível haver um bom desenvolvimento e crescimento das questões de tolerância e cuidado com a fé que cada um tem em seu coração”, afirmou.