Para aqueles que conseguem a superação às drogas, os desafios cotidianos são diversos. A luta contra seus próprios impulsos de consumo e, principalmente, a observância para não recair em uma série de comportamentos para que as drogas não voltem à rotina cotidiana.
Para quem conheceu os limites da vida e os descaminhos da dependência química, com certeza, vivenciou uma série de experiências que confrontaram seus preconceitos, ou seja, roubou, enganou, manipulou, se prostituiu entre tantas outras coisas…
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Portanto superar a dependência química é um importante passo, porém, não é um fim em si mesmo. Até porque não adianta deixar de usar drogas e viver uma droga de vida! E com cuidado e respeito, irei justificar tal argumento.
Penso que para os que conheceram de formas obsessivas os delírios do crack, as loucuras do pó e a viagem do baseado para a manutenção do vício, essas pessoas se confrontaram no espelho com comportamentos que por todas suas vidas aprenderam a julgar, condenar e excluir.
Desta forma, a vida sem drogas exige um profundo compromisso ético. Os processos de recuperação, todos eles, envolvem uma série de valores que apontam a construção da identidade voltada para a defesa da vida, da justiça social e do amor como forma de se comportar no mundo.
É necessário, portanto, que a superação ao consumo de drogas seja acompanhada de um efetivo processo emancipatório, de uma profunda libertação a todos os preconceitos e males que nos envolve enquanto sociedade.
Que a emancipação das drogas alcance também a emancipação aos preconceitos, pois em recuperação aprendemos a amar os nossos irmãos e irmãs, independentemente de suas condicionalidades. É necessário que nos emancipemos do racismo estrutural, pois nossos irmãos e irmãs negras são vítimas de violência sumária em nosso país. É necessário que nos emancipemos também do machismo responsável pela desigualdade de gênero e pela violência doméstica que afetas as nossas mulheres e que a emancipação nos leve a quebrar a homofobia que afeta nossos irmãos e irmãs LGBTQIA+.
A emancipação é um ato lento, gradual, processual e contínuo, assim como o processo de recuperação ao consumo de drogas. Devemos assumir o compromisso ético de que a recuperação nos transforme em pessoas melhores, mais sensíveis, justas e amorosas.
Nesta perspectiva, costumo dizer “bendita dependência”, porque em razão da busca por minha recuperação aprendo, diariamente, a me emancipar dos preconceitos e me perceber em uma linha horizontal, de igualdade dos meus irmãos e irmãs que vivem suas vidas excluídas, negadas e diminuídas pela sociedade. Uma vida em recuperação exige a observância de que devemos e podemos nos tornar a melhor versão de nós e que a emancipação deve acompanhar a recuperação.
A emancipação não é uma premissa tão somente de pessoas em situação de dependência química. Como um valor ético, deve afetar todas as classes e grupos sociais. Independente de nossas condições, usuários ou não, devemos assumir o compromisso de sempre e nos perguntar sobre o que estamos fazendo de nós e o que estamos fazendo com os outros.
Viver uma droga de vida é lamentavelmente uma realidade de muitos, inclusive de pessoas que jamais tiveram contato com as drogas.
Para aqueles que acham que deixar de usar drogas é o objetivo último da recuperação, lamento informar que estes não compreenderam em nada os passos da jornada. E que se mantiverem uma vida sem drogas, porém, também sem o compromisso ético do amor e da defesa da vida, tolerância e diversidade, se não voltarem ao uso, terão no mínimo uma droga de vida.
Que sejamos emancipados…
(Este texto não reflete, necessariamente, a opinião do HojeDiario.com)