O grande poeta Guimarães Rosa afirmou que “viver é um rasgar-se e remendar-se”. E é a partir dessa reflexão que pretendo abordar alguns aspectos em minha coluna de hoje e convidá-los para a incrível experiência de ressignificação de nossa condição humana.
Eu escrevo aqui sobre dependência química e superação às drogas. E em quase 50 colunas publicadas eu me desnudei diante de minha experiência maléfica, as motivações que me levaram a ingressar nesse mundo, os caminhos e descaminhos da dependência química, os 16 anos de uso compulsivo de crack, o período de experiência em situação de rua na Cracolândia, a graça da ruptura e a consequente superação.
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Assim como afirmou Guimarães Rosa, em minhas colunas eu apresentei parte de minha trajetória com as drogas, essa condição de “rasgar-se e remendar-se”, entretanto, é contínuo. E hoje mais uma vez, encontro-me diante do dilema filosófico “conheça-te a ti mesmo”.
No último ano eu concentrei quase todas as minhas forças para a publicação de meu livro Provas de Amor: histórias de esperança na luta contra as drogas e investi boa parte de meu tempo em entrevistas, transcrições, escrita, viagens, revisões e tudo o que confere a produção de um livro. Eu vivi isso intensamente e agradeço a Deus por essa experiência.
O meu objetivo na produção do livro, era apresentar a partir de histórias de superação às drogas, caminhos de esperança às famílias que vivem cotidianamente o drama da dependência química em seus lares.
Assumi o compromisso da militância, ocupei o debate sobre as drogas, me envolvi em grupos de discussão, li os mais diversos teóricos sobre o assunto e me abasteci para iniciar um processo de caminhada na luta contra elas. Entretanto, alguma coisa em mim se tornou inquieto a ponto de me fazer pensar sobre o papel que devo ocupar e o que devo escrever em minhas colunas. Outra vez me deparo com uma máxima filosófica: “só sei que nada sei”.
Diante do dilema “conheça-te a ti mesmo”, reservei um período para ficar na incubadora da reflexão; na alegoria filosófica, adentrei-me na caverna e na analogia da fé. Fui para o deserto a fim de encontrar-me com o inefável, identificar em mim mesmo os caminhos que devo seguir neste vasto mundo e, desse modo, no encontro fraterno com minha própria existência, busquei ressignificar os sentidos da vida.
Admiro Guimarães Rosa a ponto de levar a sério sua reflexão sobre a condição humana, portanto, se para ele “viver é um rasgar-se e remendar-se”, assumi o compromisso de me rasgar novamente, e sempre encontrar sentido para a existência de modo contínuo, de trazer novos significados para minha trajetória neste vasto mundo e remendar-me com tecidos de paz, harmonia, leveza e amor.
Busco sentidos em mim para que eu consiga oferecer aos meus leitores essa inquietação que nos move como humanos e os convido para que cada um de vocês realizem essa incrível experiência de zerar o jogo, embaralhar as peças do tabuleiro e refazer o quebra-cabeça do que chamamos de vida, pois não existe problema em começar de novo.
Sozinho no deserto, Jesus buscou a purificação e o fortalecimento para sua caminhada entre nós, portanto, o deserto é o lugar de reflexão, de elaborar o autoconhecimento e, de certo modo, um lugar de “rasgar-se e remendar-se”.
Saio de meu deserto, de minha caverna e de meu encontro com o inefável com muitas dúvidas, porém, com a absoluta certeza de que minha contribuição para os meus leitores é maior que a descrição de minha trajetória e superação com as drogas. O que há de vir, ainda não sei, mas posso afirmar, que grandes coisas estão a caminho e as recebo com a ternura do desconhecido.
Faça você também esse exercício de “rasgar-se e remendar-se”, tire um tempo para que possa pensar sobre sua condição humana e volte do deserto com as forças abastecidas para os desafios da vida. Pois neste “mundo, mundo vasto mundo”, como disse o poeta Drummond, temos muito a conhecer. Dessa forma, nos cabe a coragem de nos rasgar e nos remendar sempre que a vida nos chamar.
(Este texto não reflete, necessariamente, a opinião do HojeDiario.com)