Existe um lugar no mundo, que de tão singular, deve ser conhecido por todas as pessoas que se interessam por fatos curiosos. O Jardim Revista é um bairro localizado na cidade de Suzano, no estado de São Paulo. Ele se eleva às margens da várzea do rio Tietê e forma um monte possível de ser avistado desde a região central do município. Do alto do bairro se vislumbra a beleza da passagem sinuosa do rio, que ainda preserva seu estado natural, esculpida ao longo dos séculos, e que moldou a paisagem dos lugares por onde o Tietê corre até finalmente desaguar a quilômetros de distância da Região Metropolitana de São Paulo, no rio Paraná.
Dali segue suas conexões hídricas rumo ao oceano, já que ao brotar de costas ao Atlântico, muito proximamente às escarpas da serra do mar, esse rio prefere primeiramente conhecer o Estado de São Paulo antes que suas águas se encontrem de forma derradeira com as águas salgadas que cobrem nosso planeta. Para efeito de classificação da importância do curso do rio Tietê ao passar pelo que hoje é o território suzanense, ele preserva as características que antes também marcavam sua passagem pela cidade de São Paulo. Porém, na maior cidade brasileira, o rio foi alterado por força de um conjunto de modificações em seu leito para tornar seu trajeto mais retilíneo a fim de permitir o desenho das marginais do Tietê, hoje uma das principais vias de tráfego terrestre de São Paulo.
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A partir do Jardim Revista, em direção ao extremo norte de Suzano, o relevo se transforma e os loteamentos ali existentes passam a ter sua topografia mais acidentada, formando a paisagem que é muito comum ao desenho urbano não apenas de Suzano, mas também às muitas cidades metropolitanas brasileiras. E é justamente pelo meio do Jardim Revista que uma avenida cruza o bairro de leste a oeste. E ela recebeu o nome de Avenida Libanesa, em homenagem a uma população que também contribuiu na formação da identidade de Suzano.
O bairro fica defronte a um loteamento hoje denominado Jardim Varan onde antes existia uma fazenda cujos registros apontam a existência pretérita de trabalho escravo. Local, aliás, que, não fosse pela sanha predatória assegurada pelo processo de expansão imobiliária, poderia guardar peças arqueológicas do tempo da escravização do povo negro em terras brasileiras.
A avenida Libanesa, até que se prove o contrário, é o único logradouro do mundo que produziu mandatos eletivos como se fosse um manancial da vida pública. Eis a curiosidade. Dela nasceram mandatos de Vereadores, Prefeitos, Deputados e até de Conselheiros Tutelares. Sem contar que oriundo dali teve até quem disputasse o comando do Governo do Estado de São Paulo, no caso, eu mesmo!
Ao final da década de 1980 meu pai, José de Souza Candido, foi eleito vereador. Ele teve três mandatos consecutivos na Câmara de Suzano e depois se elegeu por duas vezes deputado estadual paulista. Este humilde escriba cumpriu um mandato de deputado estadual em São Paulo e outros dois de Prefeito do Município de Suzano. E não somente esses, pois da av. Libanesa se elegeram Oswaldo dos Santos, o Fadul, que cumpriu três mandatos de vereador; Neusa dos Santos Oliveira (Fadul), que cumpriu dois mandatos de vereadora e Nelson dos Santos (Fadul), que cumpre seu primeiro mandato de vereador.
Na mesma avenida morou ainda o vereador André Marcos de Abreu, o Pacola, que cumpre seu terceiro mandato de vereador. E se não bastassem todos esses mandatos eletivos, Reginalda dos Santos, a Nalda, cumpre seu primeiro mandato como Conselheira Tutelar no município de Suzano. Antes dela, José Márcio de Souza Candido, meu irmão, também foi Conselheiro Tutelar. Somados chega-se ao incrível número de 19 mandatos que se constituíram a partir da Avenida Libanesa!
Não creio que exista outro lugar no mundo politicamente tão fértil como este. Um detalhe, porém, não pode passar despercebido: à exceção do vereador Pacola, todos os demais mandatários e mandatárias são pretos e pretas. Uma afronta curiosa aos tempos da escravidão no Brasil, que teve no espaço atual onde o Jd. Revista ocupa uma parte, o testemunho de uma das maiores atrocidades já cometidas contra a dignidade humana universal.
Se antes eram ouvidos os estalos das chibatadas impostas contra os corpos dos nossos ancestrais escravizados, agora são os discursos destes descendentes negros que ecoam de forma retumbante em defesa da dignidade de um povo que se formou a partir de muitos lugares da terra, como lembra o hino do município. Além, claro, da contribuição do operariado que veio dar, pela sua presença, a identidade definitiva de uma cidade marcada pela natureza de sua diversidade. Que as águas do rio Tietê ajudem a transportar pelos oceanos do mundo o testemunho da força que os povos têm para honrar as escolhas que fazem, como uma metáfora da vitória da civilização sobre a barbárie.
Por fim, antes que o setor imobiliário perceba a potência do Jd. Revista e resolva supervalorizar os preços, adquira um imóvel ali caso você deseje um mandato eletivo. Se você for uma pessoa preta, então, trate logo de providenciar a indumentária para a posse! Hasta la vista!
(Este texto não reflete, necessariamente, a opinião do HojeDiario.com)