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“Uma tal felicidade”, por Marcelo Candido

Mais vale uma verdadeira tristeza do que uma falsa alegria. Essa ideia foi pronunciada pelo filósofo André Comte-Sponville por ocasião de uma conferência-debate ocorrida na França em outubro de 1999. O tema central do evento era sobre a felicidade, e o autor, após rever e corrigir seu pronunciamento, publicou o conteúdo em um livro, que foi intitulado “A felicidade, desesperadamente”.

Se é possível traçar uma ideia capaz de sustentar de forma sintética o denso conteúdo desenvolvido, creio que seja adequado afirmar que a felicidade só importa como valor fundamental se estiver sustentada na verdade! Portanto, para o filósofo francês, falsear a felicidade vale apenas para se criar ilusão e, por definição, toda ilusão só pode trazer infelicidade. Mas se a busca pela felicidade se dá de forma desesperada, essa condição se eleva substancialmente quando entram no jogo a vida que as redes sociais procuram exibir como sinônimos de felicidade, pelo menos por parte de uma grande maioria de seus usuários.

Sabemos que a felicidade é essencialmente impossível na forma de um sentimento permanente e inalterável, e que, para algumas religiões, ela não se alcança no plano terreno. Mas independentemente dessas questões sustentadas pela fé e pela filosofia, o foco aqui está no fato da necessidade que temos de nos apresentarmos sempre felizes quando o assunto é aquilo que decidimos publicar nas redes sociais.

Fazemos um grande esforço para exibir nossas conquistas através de tudo aquilo que imagens e textos possam “confirmar”. Entretanto estamos imersos num mundo em que nossos desejos são sempre superados pelos próximos desejos em uma sucessão infinita. Parece que o alvo onde se encontra a tal felicidade é móvel, isso porque sentimos que ele sempre se afasta à medida que parecíamos tê-lo alcançado.

Jaron Lanier, cientista que conhece como poucos o interior do Vale do Silício, o centro nevrálgico da produção tecnológica nos Estados Unidos, escreveu um livro em que ele sugere dez argumentos para deletarmos nossas redes sociais. Por mais contraditórios que a princípio pareçam, todos os argumentos trazem profundas reflexões sobre o quanto nos deixamos tomar pela onipresença das redes em nossas vidas, renunciando a uma felicidade vívida, ou seja, real, não ilusória. Parece que atingimos um ponto de inflexão, mas se isto não ocorrer, poderemos chegar a um ponto de não retorno.

(Esse texto não reflete, necessariamente, a opinião do HojeDiário.com)