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“Que medo você tem de nós?”, por Marcelo Candido

Existem várias histórias contadas por artistas no Brasil revelando as dificuldades que muitos tiveram quando suas obras foram censuradas total ou parcialmente. No segundo caso, isso exigiu alterações que, não raras as vezes, quebravam o propósito original da obra, fazendo com que versos inteiros fossem substituídos, causando prejuízos fundamentais à composição. No primeiro caso, obras foram completamente impedidas de serem divulgadas.

Mas houve também quem tivesse conseguido escapulir da censura utilizando métodos simples, como o de enviar uma composição musical “censurável” em meio a muitas outras cujos conteúdos pouco chamavam a atenção dos censores por tratarem majoritariamente de assuntos pouco afeitos aos temas que incomodavam os ditadores de plantão. Um exemplo bem interessante desses casos é a música “Pesadelo” composta por Maurício Tapajós e Paulo Cesar Pinheiro e gravada pelo grupo “MPB4”.

A letra traz versos muito fortes contra a ditadura que valem até hoje como enfrentamento aos tiranos de qualquer parte do mundo, inclusive do Brasil atual. E alguns trechos marcam profundamente a realidade brasileira dos últimos anos. Contudo, uma vez composta, qualquer canção pode dar ao ouvinte o direito de interpretá-la à luz de sua própria capacidade, que pode ser muito variável a depender de quem se disponha a tal intento. A letra pode ser disposta em versos distintos que acabam por se transformar em frases úteis às mais diversas intenções, ao sabor do tempo e da conjuntura percebida por qualquer pessoa que a ela tenha acesso.

Quantos não são os casos de frases que abundam na internet saudando o início do dia, as desventuras de um relacionamento, a alegria de uma paixão, a tristeza de uma morte entre muitas outras frases de provocação ou autoajuda. Gosto desses recortes! Aliás, mais do que isso, adoro recorrer a frases lapidares. Para ficarmos apenas no exemplo da canção cuja ditadura militar não percebeu a quem se dirigia, pinço os versos

“E se a força é tua ela um dia é nossa / olha o muro, olha a ponte, olhe o dia de ontem chegando / que medo você tem de nós”.

Uma verdadeira ode aos dias de hoje enquanto grassa a tirania de uma ditadura mal disfarçada que tenta se consolidar por meio de um autogolpe caso o resultado das eleições não lhe seja favorável.

O dia de ontem, um governo democrático e popular, traz as esperanças de tempos que superem os dias sombrios em que vivemos, quando os esgotos trouxeram à superfície o lado mais execrável da maledicência guardada em corpos ressentidos e que encontram na violência, no ódio, no racismo, na misoginia, na homofobia, no preconceito de classe entre outras manifestações de delinquência – que precisam voltar ao fundo desse mesmo esgoto transbordante de fascismo –, a forma de defender suas ideologias malcheirosas.

(Este texto não reflete, necessariamente, a opinião do HojeDiario.com)