Antes eu era filho, agora também sou pai. Antes eu era jovem, hoje sou “velho”, embora meus 53 anos de idade ainda não me garantam nenhum benefício como vagas exclusivas em centros comerciais e em outros lugares públicos. Refleti sobre a relação entre pais e filhos enquanto almoçava em um bairro sofisticado de São Paulo quando notei logo à mesa à minha frente a presença de um homem cuja aparência sugeria ser alguém de idade já bastante avançada, conversando com outro homem a quem pude identificar como sendo seu filho, dado o teor da conversa que chegava aos meus ouvidos sem nenhuma inconfidência. Falavam sobre a velhice.
Ali desfilavam questões quase todas atinentes à saúde do velho homem que se regozijava de sua resistência como paciente, principalmente por conta de seu desempenho nos testes ergométricos. Não faltaram, porém, lamentos sobre as rotinas impostas pelo uso dos medicamentos, sobre as incertezas frente à possibilidade de uma nova cirurgia e sobre o medo da morte. Eram circunlóquios sobre a finitude, embora tal certeza estivesse sendo sempre empurrada para frente.
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Confesso que senti uma inveja danada do rapaz que tinha um pai velho com quem almoçar e conversar. Meu pai saiu rapidinho de cena sem me permitir esse deleite de ver as marcas do tempo resplandecendo vontade de viver mesmo que lutando bravamente pela saúde. Ao meu lado, uma mesa repleta de jovens na faixa dos 25 anos. Nesta os assuntos eram sobre trabalho, lazer, azaração e sexo. Sobre este último nada ouvi, apenas vi fortuitamente, e não em olhares e gestos lascivos, mas ao notar um comensal rolando na tela de seu smartphone imagens de mulheres em trajes ritualisticamente sumários, como à disposição de serem retratadas para fins de publicidade de roupas íntimas, o que, entretanto, não parecia o caso.
Não pude deixar de pensar em como hoje é comum e desavergonhada tal atitude antes reservada aos espaços mais íntimos, não ao lado de amigos, à mesa de um restaurante! Sem o menor juízo (eba!), creio que houve mudanças substanciais de comportamento. Segui comendo e ouvindo as conversas alheias, já que estava ali sozinho ocupando uma mesa para duas pessoas sem a presença de qualquer outra e sem fazer uso simultaneamente de meu celular. Fiz de mim um Candinho à falta do que fazer além de comer, observar e ouvir.
Ensaios sobre a vida: um homem velho na iminência do fim, embora na luta, contando com aliados de peso na medicina, somente possíveis àqueles que dispõem dos privilégios da vergonhosa concentração de renda no país; jovens mulheres e homens gozando de saúde e da saúde também lhes proporcionada pelas ocupações que demonstravam ter. Esqueci-me de dizer que entrei antes do meio-dia no restaurante, tendo sido o primeiro cliente a chegar. Pai e filho chegaram em seguida. Logo, em questão de uma dezena de minutos o ambiente estava lotado. Fui perdendo gradativamente a capacidade de ouvir as conversas ou de observar de soslaio as pessoas nas mesas em suas atitudes aleatórias. Restaram somente sons ruidosos e imagens difusas em meio ao tumulto que sempre muita gente junta provoca. Um tumulto de convivência, não fruto da desordem.
Enfim, deixei de ouvir, mas segui observado sem praticar mais bisbilhotices. Gente de todo tipo. Senti-me vivo e feliz, ao mesmo tempo em que aguardava a conta do almoço chegar. Ela chegou, paguei e saí. Ao alcançar a rua, ainda impactado pelo valor da conta, entre as atenções e os cuidados de quem atravessa uma via movimentada na cidade de São Paulo, torci para que, ademais, as contas que restaram do tempo pretérito não se acumulem com as do tempo presente, a ponto de fazer de mim o velho a lamentar seu destino ao lado de jovens, inadvertidamente, em plena exuberância da vida. Evoé!
(Este texto não reflete, necessariamente, a opinião do HojeDiario.com)