Em “RESULTADO”, um artigo publicado no portal Hoje Diário, disse que gostava de observar como se comportavam vitoriosos, derrotados e, principalmente, os eleitores após concluído o processo eleitoral. Passados apenas quinze dias da realização do primeiro, e em várias cidades o único turno das eleições municipais de 2020, percebo claramente que a antiga prática de negociação do voto continua plena, com variações apenas no que diz respeito ao método.
Toda eleição, sem exceção, é recheada de denúncias e suspeitas de compra de votos por parte de alguns candidatos. Por vezes, a denúncia resta comprovada, com penalidades sendo aplicadas aos infratores. Outras, de tão absurdas e infundadas, acabam ganhando corpo apenas no imaginário popular, constituindo um verdadeiro “folclore eleitoral”. O fato é que a prática existe e está longe de ser erradicada de nossa sociedade.
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Uma das formas mais comuns de compra de votos é pela distribuição de alimentos ao eleitor. Essa prática, inclusive, foi denunciada ontem, 26 de novembro, na cidade de São Paulo. Segundo imagens divulgadas pela imprensa, equipes da prefeitura da capital paulista estavam distribuindo cestas básicas para a população ao som do jingle de campanha de Bruno Covas, atual prefeito e candidato à reeleição. Isso, se comprovado, constitui crime eleitoral.
No entanto, o cidadão ou a cidadã que troca um voto por comida não merece castigo. Apesar de contribuir diretamente para a fraude eleitoral, quem aceita esse tipo de troca na verdade está vendendo a sua fome, o seu desespero, a sua angústia de última hora. Passada a eleição, volta à sua condição de miséria, esperando, quem sabe, o próximo pleito, se ainda estiver vivo.
Mas a tecnologia, conforme já havíamos experimentado na eleição de 2018, introduziu uma nova forma de negociação entre candidatos e eleitores, totalmente desvinculada da miséria existencial provocada pela falta do que comer. Instalou-se um nefasto e lucrativo balcão de negócios, com reduzidos riscos para os “financiadores”.
De tempos em tempos surgem os defensores do absurdo chamado “comprovante de voto”, um documento que poderia ser expedido até mesmo pela urna eletrônica, indicando em quem o eleitor votou. Com o comprovante em mãos o eleitor poderia verificar, ao fim do processo, se o voto havia efetivamente sido computado para o seu candidato. Mas também permitiria ao eleitor ingressar nesse balcão de negócios com forte poder de barganha, já que teria uma prova do voto.
Por isso não se admite a ideia de tal comprovação do voto, que para o processo deve ser único, secreto e possuir peso igual para todos os eleitores. Necessário que o sonhado “comprovante de voto” não seja confundido com o comprovante eleitoral que recebemos no dia da eleição. Esse comprova que votamos. O outro comprovaria em quem votamos.
É nesse ponto que a tecnologia atua contra a legalidade do processo. Com a implantação da biometria e com a criação de um aplicativo denominado e-Título, criou-se a permissão para que o eleitor levasse às urnas o seu telefone celular, já que nele estaria o seu título eleitoral. Estava resolvida, por caminhos tortuosos e pouco republicanos, a questão da comprovação do voto.
Incontáveis são as imagens que circulam pelas redes sociais, e em especial pelo aplicativo de mensagens WhatsApp, dando conta de pessoas que filmaram o momento de seu voto com a finalidade de negociar com o candidato. Também são incontáveis os vídeos de pessoas comemorando o sucesso da negociação, sem nenhum pudor, indicando para quem vendeu o voto e quanto recebeu por ele.
Se as imagens são reais ou não, se as pessoas efetivamente negociaram seus votos, se os valores divulgados são verdadeiros, nunca saberemos ao certo. O que nos preocupa é que são situações com possibilidade de ocorrer. É possível levar o celular para dentro do local de votação. É possível que candidatos inescrupulosos negociem com o eleitor pelo voto depositado. E o mais preocupante: exceção feita ao miserável esfomeado, é possível que eleitores tão inescrupulosos quanto os candidatos resolvam transformar de vez o voto em mercadoria.
Nesse ponto não falaremos mais em democracia e não teremos mais esperança no futuro. O processo eleitoral será definitivamente um grande negócio.
Portanto, desde já cabe à Justiça Eleitoral encontrar meios para coibir tal prática, fazendo valer a sua autodenominação de “A Justiça da Democracia”.
(Esse texto não expressa, necessariamente, a opinião do site HojeDiário.com)