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“Miserável opulência”, por Marcelo Candido

Quando saiu de casa, não imaginava que um acontecimento fugaz fosse mudar de forma tão profunda o jeito como encarava a vida. Ao caminhar pela rua viu um homem pedindo ajuda para saciar a fome que tanto violentava seu ego como sua persona. E que também o compelia a bradar na direção dos passantes apelos dramáticos por solidariedade. Tendo abordado aquela patética figura, soube que outrora fora alguém bem sucedido, dono de um patrimônio invejável, que vivera de forma exuberante, tendo mantido por mais de três décadas uma empresa altamente rentável, constituída com a participação do irmão a quem não via há muitos anos.

Diante da aparente contradição entre um presente degradante e um passado de opulência, quis saber os motivos que o levaram a uma condição tão miserável. Foi quando soube que aquele homem havia abandonado tudo o que tinha para sair em busca de um sentido para sua vida pouco dedicada ao que realmente importava, segundo sua própria avaliação. Sem entender o significado de tal decisão, perguntou ao velho miserável se era realmente necessário abandonar tudo, apenas para viver em busca de algo subjetivo e incompatível com o que em geral as pessoas perseguem, ou seja, uma vida de conforto e segurança econômica, exatamente igual àquilo que o homem já havia alcançado. Até que uma informação acintosa rompeu a necessidade daquele diálogo.

O rico miserável era na verdade alguém que quis viver a experiência do nada ter para entender o quanto era possível suportar uma vida sem solidariedade, pois poucos meses antes expulsara ainda na porta de seu estabelecimento, sem sequer olhar no rosto, um homem inoportuno que buscava por comida. Impaciente, não notou que aquele pedinte era o irmão há muito desaparecido, cujo vício nas drogas o havia levado a uma condição de absoluta degradação, a ponto de sequer reconhecer aquele lugar como seu por direito. O rico só se deu conta de quem se tratava quando sua mulher o alertou ao reconhecer o cunhado enxotado.

No entanto, praticamente por um milagre, o irmão já havia desaparecido como que encoberto por uma bruma espessa que jamais existiu. Nunca mais o encontrou. Atormentado pela decisão de não acolher o irmão em sua luta primordial para enfrentar o vício e ainda o tendo acusado de fraco, sentia um remorso dilacerante, apenas apaziguado quando buscava viver como supostamente vivia o irmão: em meio às misérias onde fora deixado à própria sorte.

(Esse texto não reflete, necessariamente, a opinião do HojeDiário.com)