No Brasil temos, atualmente, aproximadamente, 62 milhões de pessoas endividadas. Para se ter uma ideia, de janeiro a maio deste ano, cerca de 1 milhão de brasileiros entraram para essa estatística. É possível culpar a atual crise sanitária que estamos vivendo, mas é importante ressaltar que esse número só cresce desde os últimos anos, portanto, vários projetos de Lei foram apresentados no intuito de potencializar a proteção a esse consumidor, que além de vulnerável, precisava de respaldo na lei, levando em consideração seu perfil de superendividado.
Para ser considerado superendividado, o consumidor precisa se enquadrar em algumas exigências e, o mais importante, buscar a Justiça ou órgãos administrativos para realizar essa declaração.
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Ao declarar-se um superendividado, o consumidor diz que tem mais de 45% de sua renda comprometida com dívidas, impedindo que consiga pagar seus débitos e, ao mesmo tempo, arcar com despesas básicas, como água, luz, aluguel e alimentação.
O principal requisito para que possa propor um plano de renegociação de dívidas é comprovar sua boa-fé para pagar suas dívidas, e demonstrar que há, de fato, dificuldade em se manter, mesmo pagando as parcelas.
Desde o dia 02 de julho de 2021 está em vigor a Lei N° 14.181/21, conhecida como Lei do Superendividamento.
O objetivo da lei é a prevenção e tratamento especial ao superendividamento de Pessoas Físicas, comparativamente na mesma forma que ocorre com as regras da Recuperação Judicial às Pessoas Jurídicas, o ponto importante da nova lei é evitar a insolvência das pessoas e famílias em dificuldades através de uma reorganização econômica e financeira por intermédio da conciliação e do Poder Judiciário.
Na prática, a nova lei do superendividamento fez alterações com acréscimos legais ao Código de Defesa do Consumidor, especialmente ao artigo 54-A, nos seguintes termos:
“a impossibilidade manifesta de o consumidor pessoa natural, de boa-fé, pagar a totalidade de suas dívidas de consumo, exigíveis e vincendas, sem comprometer seu mínimo existencial, nos termos da regulamentação”. (art. 54-A, § 1º, CDC).
As dívidas de consumo, vencidas e vincendas, que a nova lei do superendividamento se refere tratam-se de
“quaisquer compromissos financeiros assumidos decorrentes de relação de consumo, inclusive operações de crédito, compras a prazo e serviços de prestação continuada” (art. 54-A, § 2º), excluídas as dívidas contraídas oriundas de fraude ou má-fé (art. 54-A, § 3º).
Quando a pessoa física está em uma situação de superendividamento, após infrutíferas tratativas de acordo, nos termos da Lei N° 14.181/21, poderá o devedor apresentar ao judiciário ou até mesmo propor medida judicial demonstrando todos os seus empréstimos e dívidas, vencidas e vincendas, de até 05 anos, reunindo numa planilha e apresentando para todos os seus credores uma forma de pagamento, em conformidade com as suas condições de adimplemento, bem como comprovando seus rendimentos e capacidade para quitar nas condições apresentadas, que não poderá ultrapassar mais do que 35% do que recebe mensalmente.
Ao apresentar seu plano ou propor ação judicial de repactuação de dívidas, destaca-se a importância dada pela Lei do superendividamento quanto a possibilidade do consumidor e devedor de respeitar a sua capacidade financeira, elaborando um plano consistente de pagamento que contemple todos os seus credores, sem exceção, o que garante uma chance muito grande de assertividade na condução do processo trazida pela Lei N° 14.181/21.
Na prática, a lei do superendividamento auxiliará e incentivará a conciliação entre devedor e credores de forma conjunta, com ênfase mais na composição do que numa sentença futura, nos moldes mais contemporâneos do processo. Apesar de largamente da conciliação já ser permitida no Brasil há muito tempo, a nova lei do superendividamento irá trazer um formato muito eficaz ao consumidor, numa nova realidade que ampliará sua possibilidade de pagamento através de um plano condizente com suas reais condições, sem sobrecarregar suas condições básicas de sobrevivência e familiar, o que é muito salutar nas atuais situações de crise econômica que assola o mundo, remetendo ao que já ocorre com a Recuperação Judicial de Empresas.
Em resumo, a nova lei prevê as seguintes medidas:
- Torna direito básico do consumidor a garantia de práticas de crédito responsável, de educação financeira e de prevenção e tratamento de situações de superendividamento, preservado o mínimo existencial;
- Torna nula cláusulas contratuais de produtos ou serviços que limitem o acesso ao Poder Judiciário ou impeçam o restabelecimento integral dos direitos do consumidor e de seus meios de pagamento depois da quitação de juros de mora ou de acordo com os credores;
- Obriga bancos, financiadoras e empresas que vendem a prazo a informar ao consumidor o custo efetivo total, a taxa mensal efetiva de juros e os encargos por atraso, o total de prestações e o direito de antecipar o pagamento da dívida ou parcelamento sem novos encargos. As ofertas de empréstimo ou de venda a prazo deverão informar ainda a soma total a pagar, com e sem financiamento;
- Proíbe o assédio ou a pressão sobre consumidor para contratar o fornecimento de produto, serviço ou crédito, principalmente em caso de idosos, analfabetos, doentes ou em estado de vulnerabilidade;
- Permite que o consumidor informe à administradora do cartão crédito, com dez dias de antecedência do vencimento da fatura, sobre parcela que está em disputa com o fornecedor. O valor não poderá ser cobrado enquanto não houver uma solução para a disputa.
- Possibilita a desistência do crédito consignado em 7 dias. O direito ao arrependimento do crédito consignado é outra grande inovação para proteção dos consumidores endividados, em especial dos idosos.
A Lei se torna um instrumental indispensável não só para o aprimoramento do Código de Defesa do Consumidor, mas de toda a sociedade brasileira, ao garantir um estatuto legal, o qual, suprindo a ausência atual, venha munir o Poder Judiciário de instrumental moderno e eficiente para tratamento de um dos males da sociedade de consumo, o superendividamento do consumidor.
(Esse texto não reflete, necessariamente, a opinião do HojeDiário.com)