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“Bafo quente no cangote”, por Marcelo Candido

“Cumpriu sua sentença. Encontrou-se com o único mal irremediável, aquilo que é a marca do nosso estranho destino sobre a terra, aquele fato sem explicação que iguala tudo o que é vivo num só rebanho de condenados, porque tudo o que é vivo, morre.” – Chicó, em “O Auto da Compadecida”, de Ariano Suassuna.

Já que tudo o que é vivo morre, nada melhor do que sermos surpreendidos pela morte. Nós que somos animais racionais, sabemos que um dia ela chega, mas agimos como se isso jamais fosse acontecer. Vivemos como se a direção para a qual aceleramos os passos fosse em oposição à morte. Acreditamos que sempre é possível enganar a morte. Contudo, quem nos engana é sempre ela.

É por isso que “morro” de medo da morte, pois ela está sempre à espreita e não percebemos seu bafo quente no cangote. Ela é sutil, dissimulada, tinhosa. Então, se somos surpreendidos, não nos damos conta! Quando a gente percebe, pumba! Já era. Porém, quando a danada resolve avisar que vem, em geral, a certeza de sua chegada transforma nossa vida em fiança como forma de alcançarmos um outro lado. Em face do processo, pagamos com a vida o acesso ao desconhecido.

Embora haja quem diga que conhece o outro lado, nunca vi um tíquete de passagem perfurado pelo fiscal desse trem sobrenatural. Seja lá o que nos espera (se é que nos espera), quando ela avisa que vem, passamos a viver no modo despedida. Tudo ganha importância e tudo se revela sublime. Deus se torna o proprietário da morada a qual acreditamos ser dignos de um quarto com suíte, de preferência acompanhados. E no fundo sabemos que o aproximar da morte é assustador.

Por isso é que defendo que os profissionais da saúde tenham o direito de mentir, ou, de pelo menos, dissimular. Foi detectada uma doença fatal? Não avise! Deixe que ela cumpra sua natureza mórbida. Deixem-nos achar que aquilo será apenas uma fase e que tudo vai ficar bem. Isso não é mentir, pois, na verdade é isso mesmo, vai ficar bem porque o céu é melhor do que aqui! Logo, ficar melhor é isso: morrer e ir para o céu. E se o céu não existe? Não tem problema, pois neste caso a morte acaba com qualquer dúvida.

(Este texto não reflete, necessariamente, a opinião do HojeDiário.com)