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Rol taxativo da ANS beneficia os planos de saúde e prejudica a população e o SUS, diz médico da região do Alto Tietê

No início do mês de junho, o Superior Tribunal de Justiça (STJ) entendeu e decidiu que o rol de procedimentos de saúde estabelecidos pela Agência Nacional de Saúde (ANS) é taxativo.
Na prática, isso faz com que os planos de saúde não sejam obrigados a cobrirem tratamentos que não são previstos na lista. Ao portal HojeDiario.com, o médico Jorge Abissamra Filho, o Jorginho, comentou a decisão do tribunal e como isso pode afetar a vida de milhares brasileiros.

“O rol da ANS é uma lei de 1998 onde eles obrigavam as operadoras de saúde a cumprirem os tratamentos previstos no rol, mas não isentava o plano de saúde de não cumprir o que não estava. O rol era exemplificativo, uma sugestão da ANS, o que estivesse no rol, o plano era obrigado a cobrir. Com a decisão do STJ, o rol passou a ser taxativo, ou seja, a operadora só é obrigada a cumprir o que está no rol. Na prática, isso significa que se surge uma nova medicação, ou uma terapia nova, como para autistas; se a ANS não colocar na lista, o plano de saúde não é obrigado a cobrir”, disse o médico.

Abissamra é médico com especialização em clínica médica e oncologia. É atualmente membro titular da Sociedade Brasileira de Cancerologia e professor convidado de oncologia da Faculdade de Medicina da Santa Casa de São Paulo, e também participou do programa de observação médica na área de câncer de pulmão, cabeça e pescoço do MD Anderson Cancer Center, na Universidade do Texas, nos Estados Unidos. Além disso, Jorginho é político e pré-candidato a deputado federal pelo Partido Socialista Brasileiro (PSB).

Segundo ele, essa decisão será prejudicial para pacientes que dependem de tratamentos mais novos.
“Se você tem câncer, e acabou e sair um estudo que releva que determinada droga tem boa resposta para aquele tratamento, mas não deu tempo para a ANS colocar no rol, porque a lista é atualizada a cada dois anos somente. Os pacientes que possuem plano de saúde não terão acesso a esse medicamento, por que o plano não é obrigado a cobrir. Então, além de ter que pagar um plano, vai ser necessário esperar a ANS colocar no seu rol o que vai ser obrigatório aos planos pagarem”, continuou.

Jorginho disse que isso é terrível para as pessoas que já possuem plano de saúde, uma vez que talvez tenham que pagar por fora para receber o tratamento adequado para sua doença.
“As operadoras terão justificativa para negar tratamentos aos seus pacientes, principalmente os mais novos, porque ainda não terão entrado na lista da ANS. As operadoras acabam lucrando mais, porque terão menos gastos, oferecerão um tratamento arcaico para os pacientes que já pagam o plano de saúde caro, e os pacientes acabam tendo sua vida arriscada, e, principalmente na área de oncologia, aqueles que estão em tratamento não terão acesso aos tratamentos mais novos porque os planos não vão cobrir”, explicou.

De acordo com o médico, isso pode afetar até mesmo em tratamentos que já têm ocorrido, como foi o caso recente do primeiro atleta brasileiro que realizou o percurso do Iron Man. Ele é portador de esclerose múltipla, doença degenerativa que afeta a coordenação motora. O seu remédio, Kesimpta, que era utilizado em seu tratamento para controlar a doença era garantido por meio do plano de saúde, mas não está na Agência Nacional de Saúde Suplementar (ANS). Ou seja, após a decisão do STJ, ele terá de parar o tratamento que precisa ser contínuo para evitar crises mais pesadas que podem afetar seus movimentos.

Geralmente, os tratamentos listados no rol da ANS são aqueles que são mais caros, mas nem sempre são os mais atualizados, o que obriga os pacientes a recorrem a médico e tratamentos particulares, o que antes não seria necessário por possuir um plano de saúde.
“Ou seja, você tem plano de saúde e isso não vai adiantar de nada”, disse Jorginho.
Ele ainda disse que as operadoras que oferecem planos empresariais, que são os mais baratos, não irão autorizar a cobertura desses tratamentos mais caros, o que acabará por oferecer uma cobertura médica muito semelhante a do Sistema Único de Saúde (SUS).

Abissamra destacou que algumas patologias como o Transtorno do Espectro Autista serão os mais afetados, mas não ficarão totalmente desassistidos.
“[Os portadores de autismo] não ficarão totalmente desassistidos porque os planos terão que cobrir o que já está no rol, que são tratamentos mais antigos. Mas tudo o que é terapia mais moderna, coisas novas, ainda mais porque o autismo é uma patologia que nós temos aprendido mais a cada dia, o que é mais novo os pacientes ficarão sem acesso, a menos que paguem particular, mesmo tendo plano de saúde”, explicou. Além disso, outros tratamentos e medicamentos mais modernos para doenças reumáticas e hematológicas também serão afetados pela decisão.

Mudanças na Legislação

Jorginho disse que acredita que o SUS é muito importante para o Brasil, apesar da falta de investimentos. Ainda assim, vê que os planos de saúde possuem uma grande importância no atendimento à demanda que o Sistema de Saúde Público não pode atender. Atualmente, mais de 49 milhões de brasileiros possuem um plano de uma operadora de saúde, segundo a ANS.

“Se o plano de saúde não dá um suporte adequado, os pacientes vão acabar indo para o SUS. Tratamentos para tuberculose ou HIV são pagos pelo SUS. Então se a gente não conseguir cobrar o serviço particular de oferecer algo de qualidade, a gente vai acabar sobrecarregando o serviço público. Então precisamos exigir que a saúde pública tenha qualidade para atender quem não tem dinheiro, e exigir da saúde particular que ofereça qualidade para quem tem dinheiro para que essa pessoa não volte para o SUS”, ressaltou.
“Estamos sobrecarregando o SUS com pacientes que têm plano de saúde. Isso não faz o menor sentido”, disse.

Para o médico, porém, é necessário pressionar, não o STJ, mas sim o Congresso Nacional para que mude a legislação vigente.
“A decisão do STJ favorece muito as operadoras da saúde e prejudica os usuários e a população. Mas não se deve brigar com o STJ, e sim, com a Câmara Federal. Os deputados que têm que mudar a lei para que os planos tenham de cobrir os tratamentos prescritos pelos médicos, não só o que está no rol da ANS. O que precisamos é mudar a lei, pressionar a Câmara dos Deputados”, destacou.

Ainda assim, Jorginho disse não ver nenhum deputado ou qualquer movimento dentro do Congresso Nacional com força o suficiente para bater de frente com os planos de saúde e alterar a lei que os permite negar diversos tratamentos que seriam necessários para preservar a saúde de muitos de seus próprios pacientes.
Por isso, Abissamra foi ao Instituto Lula, em São Paulo capital, onde conversou com o ex-ministro Gilberto Carvalho, com o objetivo de incluir no plano de governo do pré-candidato Luiz Inácio Lula da Silva (PT) uma proposta que envolva a mudança na legislação da cobertura dos planos de saúde.

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