“O fato de podermos compartilhar esse espaço, de estarmos juntos viajando não significa que somos iguais; significa exatamente que somos capazes de atrair uns aos outros pelas nossas diferenças, que deveriam guiar o nosso roteiro de vida. Ter diversidade, não isso de uma humanidade com o mesmo protocolo. Porque isso até agora foi só uma maneira de homogeneizar e tirar nossa alegria de estar vivos.”
Quem escreveu isso foi o ambientalista Ailton Alves Lacerda Krenak, líder indígena, filósofo, poeta e escritor brasileiro nascido na região do médio Rio Doce, território do povo Krenak, no estado de Minas Gerais. Essa reflexão faz parte do livro intitulado “Ideias para adiar o fim do mundo”, fruto de palestras dadas por ele em Portugal após longo período de negativas em visitar aquele país, pois acreditava não ter nada para conversar com os portugueses.
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Porém, mudou de ideia e em 2017 participou de um ciclo de eventos quando Lisboa foi a capital ibero-americana de cultura. Um fato curioso é que, quando da negativa em participar das “comemorações” dos 500 anos da “descoberta” do Brasil, Krenak afirmou que aquela seria uma típica festa portuguesa e que eles iriam celebrar a invasão de seu canto do mundo, de onde o indígena era originário, razão pela qual não teria nada a comemorar.
Tais ideias para adiar o fim do mundo estão baseadas no propósito de salvar o planeta de nós mesmos dentro da maior urgência, antes de a espécie humana deixar de encontrar as condições para permanecer viva. Embora seja um livro pequeno, daqueles que literalmente cabem no bolso, a grandiosidade das ideias nele contidas faz da obra algo gigante. E traz toda a sabedoria ancestral como forma de confrontar o pensamento-padrão que nos é imposto como um modelo de vida, dentro do qual não há muito espaço para a diversidade.
Apenas a título de exemplo, o autor chama a atenção para a existência de aproximadamente 250 etnias que guardam a memória de mais de 150 línguas e dialetos, algo fundamental para a compreensão da cultura e da nossa ancestralidade enquanto país. Krenak chama a atenção para a necessidade de certa simbiose, baseada na diversidade que há entre nós, para compor um mosaico de povos capaz de dar sentido à nossa existência coletiva.
Um conceito muito importante é o que ele trás como a ideia de “pessoas coletivas”, ou seja, aquelas que trazem em sua existência não apenas o que são no presente, mas tudo aquilo que acumularam ao longo do processo de resistência ao extermínio que os invasores impuseram como política desde quando aportaram em terras do outro lado daquele que era o mundo até então “conhecido” pelos europeus. Pessoas coletivas deixam de ser indivíduos e passam a ser “células que conseguem transmitir através do tempo suas visões sobre o mundo.”
Nestes tempos em que vivemos nada é mais importante do que buscar em nossa ancestralidade as bases que possam elevar a um patamar de respeito e reconhecimento os direitos individuais como algo sagrado na concepção mais primitiva do termo e, assim, entender que a grandeza do nosso povo está justamente naquilo que nos faz diferentes como indivíduos. Respeitar essa noção é respeitar a nossa própria condição no planeta. Viver a diversidade é viver sob a garantia dos mais distintos, porém, convergentes direitos.
(Este texto não reflete, necessariamente, a opinião do HojeDiario.com)