“Onde será que isso começa / A correnteza sem paragem / O viajar de uma viagem / A outra viagem que não cessa / Cheguei ao nome da cidade / Não a cidade mesma espessa / Rio que não é Rio: imagens /Essa cidade me atravessa” – Caetano Veloso.
Foram várias as imagens que circularam pela internet denunciado o estado calamitoso em que Suzano ficou durante e após as fortes chuvas ocorridas na sexta-feira, dia 10 de março de 2023.
Cenas de um presente cujo passado nos conta que a precariedade (ou ausência) do planejamento urbano e a forma como a cidade expandiu-se a partir da década de 1970, cobram até hoje seu alto preço. E é exatamente a população que mora nas periferias quem mais paga essa conta, embora os efeitos tenham se espalhado por várias partes do município.
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Por mais que alguns programas tenham, em um período relativamente recente, ajudado a diminuir os impactos da falta de planejamento e do uso e ocupação legal do solo urbano em diversos bairros, como aqueles que foram implantados pela Prefeitura Municipal de Suzano entre os anos de 2005 e 2012 (“Programa de Erradicação das Áreas de Risco”, “Programa de Regularização Fundiária”, “Programa de Saneamento Ambiental”, “Programa de Infraestrutura e Drenagem” e “Programa Habitacional”), ainda assim, Suzano foi fortemente impactada em razão dos altos índices pluviométricos registrados nesta última sexta-feira a partir do período da tarde.
Lamentavelmente houve também registros de vítima fatal e de incalculáveis danos patrimoniais no caso de muita gente.
Para além dos esforços praticados no curto período supracitado por força dos programas e das ações que deles se desdobraram, o passivo é muito maior, pois é impossível corrigir décadas de sucessivos crimes em apenas pouco menos de um decênio.
Contudo, o que mais impressiona é que um crime da mesma natureza histórica esteja sendo praticado contra a APA (Área de Proteção Ambiental) do Rio Tietê em Suzano, agora mesmo, agorinha!
E isto, sem que ações de proteção sejam tomadas urgente e energicamente, mesmo após a Justiça ter sido acionada, o Ministério Público ter sido provocado, manifestações dos órgãos de controle e ambientais terem sido exaradas e Entidades Ambientais das mais respeitáveis terem sido mobilizadas junto a esses referidos órgãos com a intenção de fazer cessar tamanho descalabro que ocorre há meses, que é a consecução de um aterro de inertes sobre esta que é uma das Áreas de Proteção Ambiental que caracterizam o território de Suzano, a APA do rio Tietê.
Em uma manifestação recente da CETESB há, inclusive, um incontestável registro no sentido de descrever documental e sistematicamente todo o esforço da Prefeitura de Suzano, desde o ano de 2015, em garantir, através de bases legais falaciosas, feitas sob medida, que a referida área seja ocupada com vistas à implantação de um Centro Empresarial e Logístico!
Para efeito de argumentação, também falaciosa, o Poder Público local afirma, através de seus interlocutores oficiais, que tal iniciativa terá a capacidade de levar “desenvolvimento” econômico àquela região, favorecendo os negócios e a geração de empregos.
Na prática, rezam na velha e aposentada cartilha que diz que a defesa do meio ambiente impede o crescimento e o desenvolvimento econômico. Ou seja, tratam o meio ambiente como problema e não como ativo a ser preservado, inclusive, para a atração de investimentos mais condizentes com as práticas atuais e recomendáveis de desenvolvimento sustentável e diversificável que podem ser umas das marcas do atual período do desenvolvimento de Suzano.
Tamanho descalabro não pode permanecer sob a indiferença das pessoas. Aliás, não por acaso, não houve nenhuma audiência pública ou algo que se assemelhe a uma simples consulta antes do início do aterro.
Tudo ocorreu sob as sombras, em um gesto suspeitíssimo. Se as chuvas do dia 10 de março massacraram a cidade como resposta à incongruência no combate aos efeitos decorrentes da falta de planejamento ao longo de muitos anos (à exceção do pequeno hiato temporal antes lembrado), com o aterro de inertes em veloz andamento na várzea do Tietê, a situação tende a ser muito pior em um futuro já visível no horizonte.
Não podemos permitir que a atual gestão da cidade permaneça com os ouvidos moucos frente aos apelos pela sustentabilidade e colaborando para que a várzea do rio continue sendo aterrada. Tal crime pesará e muito sobre a segurança ambiental das famílias que moram naquela região, e também sobre as atividades produtivas já instaladas no perímetro. E afinal será a marca do desprezo por parte da atual gestão da cidade diante da emergência climática posta no mundo.
Para registro: imagens nas redes digitais – oficiais e paralelas – da Prefeitura Municipal de Suzano, publicadas após as enchentes, para além de servirem ao atingimento inapelável da falácia, não encobrem as imagens cruelmente reais e sem o uso de filtros do Facebook e do Instagram, na forma como são utilizadas por meio da produção de vídeos, fotos, gestos e palavras das autoridades locais, sob responsabilidade das equipes de comunicação e marketing oficiais que, aliás, contaminam a própria imprensa a quem caberia o papel de investigar e denunciar.
Pelo contrário, fora do ambiente da internet controlada e sustentada pelo dinheiro publico para disseminar inverdades e meias-verdades, as imagens geradas genuinamente pela própria população apresentam pessoas sendo vitimadas pela incúria e pela falta de visão sensível por parte das ditas autoridades municipais. Tais imagens, geradas enquanto as águas avançavam, calam profundamente na alma de quem ama e tem empatia diante das pessoas que sofrem como vítimas das enchentes em Suzano. É preciso falar sobre a várzea do Tietê!
É preciso denunciar o crime ora praticado contra ela! É preciso responsabilizar as autoridades que alimentam esse crime a pretexto de trazer um suposto e anacrônico desenvolvimento à cidade. Chega dessa sórdida hipocrisia!
Ou então as chuvas irão encobrir a moral dessas autoridades que acham que governar é apenas gerar, tratar e publicar imagens do mundo encantado onde somente elas próprias conseguem acessar, e de onde enviam mensagens descrevendo lugares e atitudes que não existem. Querem apenas o poder para ter mais poder e riqueza.
(Este texto não reflete, necessariamente, a opinião do HojeDiario.com)