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“Façamos como as árvores”, por Marcelo Candido

“Certas espécies de árvores espalham sistemas subterrâneos de raízes que interligam os troncos individuais e entrelaçam as árvores num conjunto mais estável, mais difícil de ser derrubado pelo vento.” As palavras iniciais não foram encadeadas como resultado do meu esforço intelectual e menos ainda de meu conhecimento em botânica; foram extraídas das páginas de um dos livros mais importantes da escritora Rebecca Solnit, intitulado “A mãe de todas as perguntas”.

Esta obra traz reflexões indispensáveis ao debate em torno das diversas formas de feminismos existentes neste momento ao redor do mundo. Merece ser conhecida e compartilhada. No entanto, não é ao redor do seu conteúdo que vou explorar aqui como questão central. Pelo menos, não por ora.

A frase destacada inicialmente traz um elemento de inspiração que tem a ver com o fato de que, assim como algumas espécies de árvores, a sociedade também pode criar sistemas subterrâneos próprios que lhe assegurem um tipo de condição que seja capaz de mantê-la firme, mesmo diante das situações mais adversas. A sociedade se organiza de uma forma dinâmica, praticamente ao longo de toda a história de nossa espécie desde quando esta passa a atuar coletivamente. E através dos séculos essa mesma sociedade molda a sua forma conforme os desafios vão se colocando.

Se assim sobrevivemos, apesar de tantos acontecimentos terríveis, é porque, diferentemente de outras espécies, sabemos nos organizar de forma coletiva e com isso acumulamos sucesso frente aos ataques que sofremos ou que, paradoxalmente, impusemos contra nós mesmos. O sentido da organização guarda características de defesa que pressupõem a manutenção de importantes conquistas, bem como a de alcançar muitas outras, seja no espaço de uma pequena e isolada comunidade em qualquer parte do mundo, seja na imponente metrópole de Nova Iorque, a mais importante do planeta do ponto de vista do acelerado crescimento urbano, por exemplo.

Apesar de tudo, guardar conquistas traz traços de singularidade que em muitos casos se conflitam com os modelos de manutenção de interesses que se viabilizam por força do poder econômico e de seus tentáculos politicamente amparados. Daí é que deriva a necessidade de organização social que garanta a manutenção de uma miríade de formas de existência, das mais isoladas às mais imponentes. Pluralidade e subjetividade coexistindo sem que a primeira imponha sua forma e sem que a segunda deixe de existir, mesmo que não vocacionada a uma pretensa hegemonia.

E o exemplo das árvores, cujas raízes se entrelaçam, inspira a coexistência social principalmente àqueles modelos de presença ditos mais vulneráveis socialmente. É comum assistirmos ao aniquilamento de populações ao redor do mundo que perdem completamente os registros de suas formas de existência, assimilando outras que são resultantes da política predatória imposta pelos conquistadores, inclusive através de seus próprios corpos. E não me refiro apenas aos processos seculares de colonização, mas também aos acontecimentos atuais. Dos mais visíveis como no caso da guerra na Ucrânia aos mais invisibilizados como no caso das comunidades que perdem seus territórios ao sabor do processo de expansão imobiliária, por exemplo, em vastos empreendimentos metropolitanos.

O enraizamento de tudo aquilo que reproduz formas de vida acumuladas há tempos, e a necessidade de resistência, afiguram-se como insuficientes caso não ocorra o entrelaçamento subterrâneo que assegure uma força invisível e profunda como única condição de permanecer existindo. Quando a questão está em decidir sobre como resistir, porque não o fazer a partir das raízes mais profundas até alcançar o ponto mais alto da copa, de onde se verá acontecer a dura vitória de parcelas de uma sociedade que teimam em existir.

O papel de cada pessoa pode se assemelhar ao dos fungos que agem no subterrâneo espalhando benefícios que mantêm a vida humana sempre interdependente em relação às demais formas de vida.

Por fim, tente fazer um exercício mental cuja intenção seja “enxergar” um sistema de raízes entrelaçadas. Agora tente imaginar o quanto isso fortalece as árvores na superfície dando-lhes uma capacidade de maior resistência mesmo não sendo possível perceber suas conexões subterrâneas. Agora, tente transformar essa mecânica em capacidade organizativa de uma sociedade democrática. Sou apenas eu que formo uma imagem mental capaz de permitir a compreensão de um sistema social visível e invisível extremamente forte ou não passo de um sonhador?

(Este texto não reflete, necessariamente, a opinião do HojeDiario.com)