“Comunicação ou autopropaganda?”, por Marcelo Candido

Algo que tem me preocupado verdadeiramente nos últimos anos guarda relação com as formas consolidadas de comunicação pública institucional a partir do advento de diversos instrumentos tecnológicos desenvolvidos e utilizados por força do uso massivo da internet. Já tratei sobre isso de forma análoga em outro artigo intitulado “Democracia e comunicação”, mas preciso voltar a tangenciar essa importante questão.

Em um mundo até recentemente analógico de forma predominante, os recursos aportados pelos governos para alcançar o público em geral através da publicidade e da publicação dos Atos Oficiais, por exemplo, eram voltados aos canais de comunicação como TVs, rádios, jornais e revistas. Além disso, em ocasiões especiais, os governos publicavam “prestações de contas” em veículos de grande circulação, ou mantinham periódicos sob a responsabilidade dos próprios órgãos de comunicação existentes dentro da estrutura governamental.

Um dos princípios basilares que sustentavam o formato da publicação e da publicidade era o da impessoalidade. Isto para evitar que quem governasse utilizasse a máquina pública para fazer autopropaganda desviando assim a atenção dos contribuintes daquilo que era de interesse coletivo, valorizando sobremaneira o foco na imagem pessoal do governante. O Ministério Público cumpria um papel imprescindível no sentido de coibir eventuais abusos, notificando os gestores públicos quando se notava qualquer violação ao princípio da impessoalidade.

Não raras vezes esse órgão de controle determinava a retirada do nome e da imagem dos políticos que se utilizavam dos veículos de comunicação para autopromoção, pois estes faziam do restante das informações algo acintosamente secundário. O Legislativo cumpria antanho um papel importante quando denunciava os abusos no uso da comunicação pública institucional por parte do Executivo, mas ele próprio era um Poder sob a lente do sistema de Justiça, e, portanto, vez ou outra, também sofria sanções contra abusos semelhantes praticados pelo que deveria ser a própria instituição fiscalizadora formada pelos legisladores.

Entretanto, gradativamente os meios tradicionais de comunicação pública foram perdendo níveis de importância e foram sendo substituídos pelos novos canais tecnológicos disponibilizados no universo da internet, notadamente as chamadas Redes Sociais. Notem que a partir deste novo modelo de comunicação digital as páginas de governos foram perdendo importância comparativamente às páginas dos governantes, e estes passaram a fazer das próprias imagens a figura do Estado! Ou seja, transformaram-se, eles próprios, na face pública da instituição, em detrimento das instituições governamentais “stricto senso” tal como concebidas constitucionalmente.

Com isso, a força da instituição deixa o imaginário público e entra em seu lugar a “força” do governante na forma da pessoa física que ele encarna. Isto, salvo melhor juízo, ofende frontalmente a Constituição e as demais leis infraconstitucionais que regulam as formas de comunicação e propaganda de governos. Se antes as relações eram intermediadas, em tese, por uma forma de mídia independente, hoje isso não mais ocorre em muitas cidades e estados brasileiros, sendo eliminados os filtros da comunicação e utilizada a propaganda pessoal em larga escala como nunca antes na história brasileira.

Hoje os governantes vão às “Redes Sociais” falar diretamente como o povo, descaracterizados de qualquer cerimônia pública. O que poderia ser uma forma de relação direta e democrática torna-se uma manipulação que pouca gente percebe, fazendo com que inexista um movimento insurgente disposto a frear o uso abusivo da comunicação governamental em benefício da imagem de quem governa e não do interesse público, por meio do reconhecimento de suas instituições.

Um detalhe assustador é que essa troca na forma da comunicação pública institucional não inutilizou a “imprensa” tradicional, como poderia tragicamente acontecer, ferindo gravemente a democracia. Antes, incorporou parte dela ao sistema de comunicação tendo como matriz de relacionamento as Agências de Publicidade, quase sempre utilizadas como instrumento de pressão na distribuição das verbas públicas, a fim de silenciar o contraditório e assim hipervalorizar a imagem do governante.

Ou os órgãos de controle voltam a ter papel fiscalizador e eliminador destes abusos, ou a sociedade estará adentrando de forma inescapável na era da criação e fortalecimento de figuras públicas que se consolidam através da autopropaganda financiada pelo dinheiro de quem se torna súdito, não mais cidadão!

A ascensão do Nazismo teve a comunicação como elemento primordial ao seu fortalecimento na primeira metade do século passado. Neste ainda início de século, nós não podemos permitir que uma forma de manipulação tecnológica da opinião pública se consolide contra o Estado em benefício de indivíduos autoritários caracterizados como “homens de bem”.

(Este texto não reflete, necessariamente, a opinião do HojeDiario.com)