Nas últimas semanas, o Mounjaro (tirzepatida) dominou conversas, manchetes e consultas médicas. O medicamento, originalmente indicado para diabetes tipo 2, ganhou escala mundial por provocar uma perda de peso rápida e significativa, algo jamais visto com outras terapias. Mas junto com o entusiasmo, surgiu também a dúvida que mais preocupa pacientes e médicos: afinal, existe alguma relação entre Mounjaro e câncer?
A discussão precisa ser colocada nos termos corretos. Até o momento, não existe qualquer evidência de que o Mounjaro aumente o risco de câncer em seres humanos. Nenhum estudo clínico, entre milhões de pessoas que já usaram agonistas GLP-1 e GIP, mostrou aumento de tumores de tireoide, pâncreas, mama, próstata, cólon ou qualquer outro.
O medo surgiu de pesquisas antigas em roedores, onde doses altíssimas causaram aumento de câncer medular de tireoide – mas esse efeito não se reproduziu em humanos por uma razão simples: as células tireoidianas de roedores respondem de maneira completamente diferente a esse tipo de estímulo. Hoje, esse risco é considerado apenas teórico e sem relevância prática.
O mesmo vale para o receio relacionado ao câncer de pâncreas. Há anos, especulações e manchetes sugeriam que GLP-1 poderiam aumentar pancreatite e, indiretamente, tumores pancreáticos. A ciência atual aponta o contrário: não há aumento de pancreatite e muito menos de câncer de pâncreas associado ao Mounjaro ou similares. Na verdade, o que se observa é uma melhora do perfil inflamatório e metabólico que, teoricamente, poderia até reduzir riscos a longo prazo.
E é justamente aí que a conversa fica interessante para a oncologia. A obesidade é, depois do tabagismo, o maior fator de risco evitável para câncer. São mais de 13 tumores associados ao excesso de peso, incluindo mama pós-menopausa, endométrio, fígado, pâncreas, rim e cólon. Quando um medicamento é capaz de reduzir não apenas o peso, mas também a inflamação crônica, a resistência insulínica, a hiperinsulinemia e a gordura visceral, ele não apenas muda a balança — ele modifica vias biológicas diretamente relacionadas ao desenvolvimento de tumores. Diversos estudos mostram que a tirzepatida reduz marcadores inflamatórios como IL-6 e TNF-alfa, melhora sensibilidade à insulina, diminui IGF-1 e transforma um ambiente metabólico pró-tumoral em um terreno muito menos favorável ao câncer. Ainda não é correto afirmar que o Mounjaro “previne câncer”, mas o caminho metabólico que ele percorre aponta para uma direção promissora.
Na prática clínica, isso significa que a grande maioria dos pacientes — inclusive oncológicos e sobreviventes de câncer — pode usar o medicamento de forma segura, desde que bem indicada e acompanhada. Pacientes com obesidade, síndrome metabólica, risco elevado para câncer de mama ou tumores hormônio-dependentes podem se beneficiar especialmente. As exceções continuam restritas: história pessoal ou familiar de câncer medular de tireoide, MEN2 ou casos de caquexia, onde a perda de peso não é desejada. Tirando isso, a tirzepatida não apenas é segura, como pode oferecer vantagens metabólicas importantes para aqueles que já enfrentaram um diagnóstico oncológico.
O debate sobre o Mounjaro mostra como a saúde vive um choque constante entre ciência e sensacionalismo. A ideia de que o medicamento “causa câncer” não está alinhada com nenhuma evidência atual. Pelo contrário: ao combater a obesidade — uma das maiores causas de câncer no mundo — ele pode se tornar um dos aliados mais significativos na prevenção oncológica indireta.
No fim, a mensagem é simples: o Mounjaro não é o vilão que alguns temem e talvez seja uma das ferramentas mais poderosas que já tivemos para enfrentar um dos maiores fatores de risco do câncer. A medicina está diante de um momento único, e cabe a nós separar medos antigos de evidências modernas. À medida que novos estudos surgirem, uma coisa já está clara: quando o assunto é câncer, a conversa sobre Mounjaro deve ser baseada em ciência — não em mitos.




