Nas últimas semanas, dois números ganharam destaque em relatórios nacionais: a projeção de 704 mil novos casos de câncer por ano no Brasil entre 2023 e 2025 e as estimativas de quanto o sistema público gasta, em média, para tratar cada paciente oncológico. Paralelamente, o Ministério da Saúde anunciou novas ações para ampliar o acesso a exames, tratamentos e tecnologias em oncologia no SUS, com foco especial em diagnóstico precoce e terapias de maior complexidade. Por trás desses anúncios, surge a pergunta que inquieta gestores, médicos e pacientes: quanto custa, de fato, tratar um paciente com câncer no SUS – e como garantir que esse investimento se traduza em mais vida e qualidade de vida?
Quanto realmente custa tratar um paciente com câncer
Estudos de observatórios independentes indicam que o custo médio do cuidado oncológico no SUS varia amplamente conforme o tipo de tumor, o estágio da doença no momento do diagnóstico, a necessidade de cirurgias complexas, radioterapia ou internações em UTI, e o uso de terapias sistêmicas modernas, como imunoterapia, terapias-alvo e terapias celulares. Tumores identificados em estágio inicial tendem a gerar menor custo total e melhores prognósticos, pois muitas vezes são resolvidos com cirurgia e, eventualmente, alguns ciclos de quimio ou hormonioterapia. Já os tumores metastáticos, especialmente aqueles que requerem drogas-alvo, imunoterapia ou CAR-T, podem atingir custos de centenas de milhares de reais por paciente ao longo do tratamento, mesmo considerando negociações de preço e programas públicos.
Por que ficou tão caro tratar câncer
O aumento dos custos não é resultado de um único fator. O envelhecimento da população eleva o número absoluto de casos, pressionando o orçamento público. A transição da quimioterapia clássica para terapias inovadoras — inibidores de checkpoint, terapias-alvo e CAR-T — trouxe ganhos significativos de sobrevida, mas com preços muito superiores aos tratamentos tradicionais. Tecnologias de diagnóstico, como exames de imagem avançados, painéis de NGS, biópsias líquidas e cirurgia robótica, aumentam a precisão, porém encarecem o processo. Além disso, alguns tipos de câncer tornaram-se doenças crônicas, exigindo tratamento contínuo por anos, o que prolonga o custo ao longo do tempo.
O que o SUS tem feito para não colapsar
Segundo comunicados recentes, o Ministério da Saúde tem ampliado centros de alta complexidade em oncologia, incorporado novas tecnologias de forma gradual, investido em diagnóstico precoce e rastreamento organizado e criado centros de treinamento em cirurgia robótica no SUS. A lógica é clara: quanto mais cedo o câncer é descoberto, menor o custo total e maior a chance de cura. Investir na porta de entrada é uma estratégia de economia inteligente, que evita os custos elevados dos estágios avançados.
O papel do médico assistente
Para o médico da linha de frente, discutir custos pode ser desconfortável, já que o impulso natural é oferecer todas as possibilidades terapêuticas. Mas nenhum sistema suporta “tudo para todos, o tempo todo”. A oncologia moderna tem enfatizado o cuidado baseado em valor, entendido como o desfecho clínico relevante para o paciente dividido pelo custo total do cuidado. Na prática, isso envolve escolher esquemas com benefício clínico robusto, evitar tratamentos de alto custo com ganhos mínimos, priorizar terapias inovadoras para subgrupos com maior probabilidade de resposta e discutir com o paciente objetivos realistas, como cura, controle prolongado ou cuidados paliativos focados em conforto. Para quem trabalha no SUS, o desafio é ser atualizado, humano e responsável com o uso do recurso público.
O que o paciente pode fazer
O paciente não é um agente passivo nesse processo. Há atitudes que fazem diferença: investir em prevenção real, adotando hábitos que reduzem o risco de câncer; participar de programas de rastreamento; buscar atendimento ao primeiro sinal de alerta; perguntar sobre estudos clínicos como alternativa terapêutica; e exigir transparência sobre opções disponíveis e decisões de tratamento. Essas ações ajudam a detectar tumores em fases mais tratáveis e reduzem custos e mortalidade.
Minha opinião
Falar sobre custo no tratamento do câncer não é desumanizar o paciente, mas reconhecer que os recursos são finitos e que seu uso inadequado prejudica quem está na fila hoje e quem poderá precisar amanhã. O grande desafio do Brasil será equilibrar inovação e sustentabilidade: incorporar terapias avançadas quando fizer sentido, fortalecer o diagnóstico precoce, remunerar serviços que entregam valor e impedir que o câncer absorva boa parte do orçamento da saúde. Enquanto isso, médicos, gestores e pacientes precisam agir de forma conjunta: prevenir o que é possível, diagnosticar cedo, tratar com ciência e usar o dinheiro público com responsabilidade e transparência.
(Este texto não reflete, necessariamente, a opinião do Portal HojeDiário.com).




