O número de pessoas em situação de rua no Brasil é um mistério. A ausência de pesquisas efetivas sobre essa população os coloca ainda mais na invisibilidade social. O Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (IPEA) estimou 221 mil pessoas em situação de rua no Brasil no início da pandemia, mas certamente esse número cresceu. Só não sabemos o quanto.
Situações diversas foram responsáveis pela vida das pessoas em condição de rua, mas essa condição não é permanente e fixa, mas sim provisória. Em cada um dos que dormem embaixo dos viadutos, das pontes, das marquises dos edifícios ou nas praças das cidades, há um pai, filho, mãe, neto, avô, avó, primo, tia…
O nosso desafio consiste em nos sensibilizarmos de tal modo que nossos olhos e corações se atentem às fragilidades dessas pessoas e que consigamos afetá-las em amor.
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É comum que muitos que não eram usuários de álcool e outras drogas passem a consumi-las diante da situação de rua. Viver de tal modo é um desafio e as drogas permitem uma fuga da realidade vivida, mas apenas uma fuga. Entretanto, muitos foram parar nas ruas justamente em decorrência do consumo abusivo de drogas.
A face mais destrutiva da dependência química ocorre justamente quando todos os laços foram rompidos e a vida é entregue de modo absoluto e exclusivo para as drogas. Neste estágio, nada além das drogas faz sentido.
Entregue ao consumo, o usuário deixa a casa e a família, se submete a condições quase inumanas e nas ruas vive apenas para nutrir seu consumo. Entretanto, diante dessa condição de entrega absoluta, as drogas tornam-se a identidade do sujeito, que passa a se perceber e a se colocar na sociedade pela óptica da dependência.
São indivíduos que estão à margem da sociedade, invisibilizados, excluídos e anulados. Mas são humanos na absoluta potencialidade humana! Devemos nos sensibilizar, tirar as traves dos olhos e, humildemente, enxergar para além da condição de situação de uso abusivo de drogas e/ou da situação de rua e visualizar a potência em cada um deles.
Fingir que não existem, é uma escolha. Não os ouvir, é uma escolha; não os socorrer, é uma escolha; não os defender, é uma escolha; não caminhar junto, é uma escolha. MAS NÃO AS MINHAS ESCOLHAS!
Eu fui “nóia” (usuário abusivo de crack), vivi em situação de rua por quase um ano na Cracolândia e, diante da exclusão, encontrei formas de sobrevivência nas pessoas que escolheram se importar. A atenção de pessoas embebedadas de amor fez toda a diferença em minha experiência no período de condição de rua e só consegui sair daquela situação de rua graças a essas pessoas.
Para quem está em situação de rua, seja em decorrência do uso compulsivo de drogas ou em face de outras circunstâncias, sobreviver é um desafio. Comer, dormir, se higienizar, se relacionar, conversar, sorrir e tomar um simples copo de água são obstáculos cotidianos que podem ser reduzidos com a força revolucionária de quem escolheu o amor.
Os grandes exemplos de atuação do Padre Júlio Lancellotti, do Pastor Rica da igreja Bola de Neve, de outras entidades religiosas, ONGS e profissionais diversos que estão em campo, devem nos inspirar a cada dia.
A luta em defesa das pessoas em condição de rua, de marginalização e exclusão social traduzem o amor do Cristo à condição humana.
Um que amor que perdoa o imperdoável, que não excluí, que se entrega ao outro sem condicionalidades, repara, afaga, acolhe, protege e inclui.
Que sejamos embebedados de sensibilidade e de amor. Que nossos olhos possam ver o potencial de cada pessoa que se encontra em situação de rua. Que nossos ouvidos estejam atentos para ouvir suas histórias. Que nossas mãos estejam preparadas para a partilha do pão, para o poder do abraço e os encantos de uma oração. Que nossos pés estejam fortalecidos para uma caminhada coletiva. Que nossos pensamentos estejam sempre conectados com a beleza da vida. Que nossos lábios confessem palavras de paz, ternura, acolhimento e amor. Que nossos bolsos possam patrocinar aqueles que se dispõem a esse amor.
Eu escolhi caminhar junto, chorar junto, sorrir junto e viver junto. Se você quer ingressar nessa caminhada, seremos um coletivo da revolução do amor e se você precisa de forças para caminhar, de ombros para chorar e de mãos para a oração, saiba que juntos, sempre juntos, podemos transformar o mundo.
Félix Romanos
Instagram: @felixromanos
(Esse texto não reflete, necessariamente, a opinião do HojeDiário.com)