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“Picardia”, por Marcelo Candido

Um homem visivelmente alquebrado abordou um amigo meu a fim de pedir ajuda. Estava sentado sobre alguns pedaços de papelão em uma calçada toda zoada, formando parte do passeio público de uma importante avenida da cidade. Afirmava não conseguir caminhar até a esquina para comprar uma dose de cachaça.

De pronto, meu amigo não compreendeu aquele pedido e deve ter demonstrado alguma surpresa, pois o pedinte ofereceu-lhe algumas moedas alegando não estar pedindo dinheiro e sim apenas o favor a alguém para ir buscar a bebida.

Ocorre que a surpresa não provinha da hipótese de doar qualquer valor, mas do fato de ter encontrado um homem absolutamente sincero e ao mesmo tempo pouco dado a prioridades importantes, pois pedir pinga ao invés de comida, ou qualquer outro tipo de ajuda, pareceu-lhe um tanto desconcertante.

Agachado diante do homem, ele quis saber qual era o motivo que o impedia de caminhar até o final do quarteirão. O pobre disse apenas que não conseguia andar, demonstrando pouco interesse em falar a respeito do assunto e muita ansiedade em conseguir logo a bebida, pois voltou a oferecer ostensivamente o dinheiro.

Percebendo que daquela conversa não sairia nenhuma informação sobre uma possível enfermidade que pudesse requerer outro tipo de ajuda, meu amigo resolveu ir comprar a cachaça na esquina indicada, porém rejeitou as moedas. Chegando ao local percebeu que não se tratava de um boteco e sim de um pequeno restaurante familiar. Tímido em pedir uma pinga assim tão do nada, o amigo olhou para os lados a fim de se certificar de que ninguém ali o reconhecia, até porque era um notável abstêmio.

Tomou coragem e pediu uma dose de Velho Barreiro a uma mulher que estava almoçando no balcão já quase na hora de encerrar o expediente. Ao abrir a garrafa ela lhe ofereceu a dose e, para espanto dele, não deu o menor sinal de que o destino da bebida pudesse ser para outra pessoa. Assim, envergonhado e meio sem graça, pediu um copinho descartável e com tampa para carregar o líquido transparente enquanto caminhasse ao destino.

Saindo do restaurante viu um garoto adentrar risonho e afobado pedindo uma cachaça para viagem! Pensou que talvez o destinatário pudesse ser o mesmo homem maltrapilho e malcheiroso, o que meu amigo disse não ter conseguido saber. Ao voltar ao local onde o homem estava sentado tratou logo de oferece-lhe a bebida, tomado por um dilema em saber se a atitude era correta ou não.

Teve uma súbita crise de consciência porque achou que dar uma bebida alcoólica a alguém tão debilitado pudesse contribuir para a desgraça do miserável. Foi quando quis novamente saber qual era o motivo que impedia o distinto morador em situação de rua de caminhar.

O homem aparentava não ouvir direito a pergunta e replicou com outra: “agora você pode ir me buscar um cigarro, por favor?” Estendeu as mesmas moedas com o olhar mais sofrido do mundo e esperou pela resposta. Meu amigo sorriu atônito e alegou que estava com pressa, tratando de sair dali rapidinho sem saber se o sujeito era mais folgado do que um bêbado com baixa mobilidade.

Ao me contar essa história percebi que a dúvida que meu amigo afinal revelava era se ele tinha agido bem ou não ao negar ao homem o segundo pedido, voltando ao dilema da correção da atitude. Eu revelei ter achado aquilo tudo ao mesmo tempo triste e engraçado, mas que ele tinha feito, sim, o certo.

No entanto, não deixei de lado uma picardia ao dizer ao amigo que o garoto que ele viu comprar uma cachaça também a levaria à mesma pessoa e que muito provavelmente ambos se conheciam. O amigo olhou-me com espanto e afirmou que se isso fosse verdade o homem teria então tomado duas doses seguidas! Foi quando indaguei frente ao inocente e altruísta amigo: Duas?

(Este texto não reflete, necessariamente, a opinião do HojeDiario.com)