Na última semana, a imprensa brasileira deu ampla cobertura a casos de intoxicação por metanol relacionados ao consumo de bebidas alcoólicas adulteradas em São Paulo. Várias pessoas foram hospitalizadas em estado grave e ao menos algumas mortes já foram confirmadas. O metanol, usado industrialmente como solvente e combustível, é uma substância altamente tóxica quando ingerida, diferente do etanol – o álcool presente em bebidas como vinho, cerveja e destilados.
A contaminação por metanol em bebidas ocorre, na maioria das vezes, por fraude na fabricação: o álcool industrial é misturado intencionalmente para reduzir custos. Essa prática criminosa transforma um produto de consumo social em uma verdadeira arma química.
Como o metanol age no organismo
Quando ingerido, o metanol é metabolizado no fígado pela mesma enzima que processa o etanol: a álcool-desidrogenase. Porém, no caso do metanol, esse metabolismo gera formaldeído e ácido fórmico, substâncias altamente tóxicas. O resultado pode ser devastador:
• Náuseas, vômitos e dor abdominal nas primeiras horas.
• Comprometimento neurológico: confusão mental, convulsões e coma.
• Lesão ocular: o ácido fórmico afeta diretamente o nervo óptico, podendo levar à cegueira irreversível.
• Acidose metabólica grave: que pode causar falência múltipla de órgãos e morte.
O tratamento é uma corrida corrida contra o tempo: uso de etanol venoso ou fomepizol (que competem com o metanol pela enzima), correção da acidose com bicarbonato e, em casos graves, diálise.
Enquanto os efeitos agudos do metanol são devastadores, há também preocupações em relação à exposição crônica. O formaldeído, produto da metabolização do metanol, é classificado pela IARC (Agência Internacional de Pesquisa em Câncer) como carcinógeno do Grupo 1, ou seja, há evidências suficientes de que pode causar câncer em humanos.
Estudos associam o formaldeído ao desenvolvimento de câncer nas vias aéreas superiores (rinofaringe, cavidade nasal e paranasal) e leucemias. Assim, pessoas expostas de forma contínua a ambientes contaminados por metanol ou seus derivados – trabalhadores de indústrias químicas, solventes e até laboratórios mal ventilados – podem ter risco aumentado de doenças malignas ao longo dos anos
A intoxicação por metanol é, em grande medida, prevenível. Requer fiscalização intensa da cadeia de produção e venda de bebidas alcoólicas, ações de polícia contra falsificadores e campanhas públicas de conscientização. Para o consumidor, a orientação é clara: não adquirir bebidas de origem duvidosa, com preço muito abaixo do mercado ou sem rótulo adequado.
Além disso, é necessário fortalecer a vigilância ocupacional em ambientes industriais, garantindo que trabalhadores não sejam expostos de forma crônica a vapores e resíduos de metanol.
O episódio recente de intoxicação por metanol no Brasil expõe a vulnerabilidade da população frente a práticas criminosas e à falta de fiscalização adequada. Os riscos não se limitam ao envenenamento agudo, mas também incluem um potencial efeito cancerígeno quando há exposição repetida.
Proteger a sociedade desse perigo exige ações integradas de saúde pública, justiça e educação. Mais do que nunca, é hora de transformar tragédias em aprendizados para evitar que novas vidas sejam perdidas.