“Cada criatura humana traz duas almas consigo: uma que olha de dentro para fora, outra que olha de fora para entro… Espantem-se à vontade, podem ficar de boca aberta, dar de ombros, tudo; não admito réplica.”
Assim começa o conto O Espelho, do escritor Machado de Assis.
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A história se passa no Rio de Janeiro e o personagem principal é que usa a frase numa conversa filosófica entre amigos. Em seguida ele narra sua história. Jacobina, esse era seu nome, era pobre e acabou se tornando um militar com a patente de Alferes – um antigo posto militar que correspondia a segundo tenente.
Para uma família pobre, ter alguém tão importante, era motivo de orgulho. Todas as vezes que ele vestia sua farda todos os elogiavam, todos queriam estar perto dele.
Um dia, Jacobina vai visitar sua tia que morava num sítio longe da cidade. Assim que ele chegou, ela separou o melhor quarto para o sobrinho, inclusive o melhor espelho da casa, uma herança antiga, com moldura em madrepérola e restos de ouro, vindo de Portugal, na mesma época em que a família real chegara.
Os dias se passam e a tia orgulhosa do sobrinho pede para que ele coloque a farda assim ela pode vê-lo, satisfazendo seu orgulho pela sua vitória e escutando suas histórias. Mas, de repente, ela precisa viajar inesperadamente e o deixa sozinho com os escravos.
Passam-se os dias e os escravos fogem levando o que podem, deixando Jacobina sozinho no sítio.
Dia após dia, a solidão corrói o personagem, não há ninguém para dizer-lhe o quão importante ele é, então, um vazio toma conta dele e o conduz a uma crise de identidade. Perdido, Jacobina se olha no espelho e não se reconhece, até que então tem a ideia de colocar a farda, e, ao colocá-la, posta-se diante do espelho e retoma sua identidade.
Neste momento ele conclui que o Alferes havia eliminado o homem…
Claro que há muitas coisas neste conto a serem analisadas, mas neste ponto, busco a semelhança entre a sabedoria de Machado de Assis e como ele conhece a alma humana.
Este tema é bastante central quando se fala de como as pessoas criam seus personagens nas redes sociais e depois não dão conta deste personagem quando convivem algum tempo fora de seu cenário: seja artístico, seja político, seja como digital influencer.
Assim, como o personagem central do conto machadiano, existem centenas de milhares de pessoas que olham apenas de fora para dentro.
Hoje em dia, os espelhos são poucos, mas a alma que as pessoas expõem nas redes sociais é como a farda do alferes. As pessoas gostam daquela alma externa, da alma de fora para dentro e esquecem de se olhar de dentro para fora.
(Esse texto não reflete, necessariamente, a opinião do HojeDiário.com)