Nos últimos anos, o debate sobre internação compulsória de dependentes químicos tem ganhado força no ambiente público e provocado iniciativas no campo político. Diante do crescimento de Cracolândias por todo o país, a paisagem social contrasta com pessoas em situação de rua e dependentes químicos que se organizam com grande concentração em determinados lugares da cidade em busca de moradia, alimentação e ambientes de uso de crack e outras drogas. Mais que defender um lado sobre a internação compulsória de dependentes químicos, quero partir de uma pergunta fundamental: Quais ações efetivas devemos tomar para que em dez anos, não tenhamos mais nenhuma Cracolândia no país, nenhuma pessoa dormindo sobre marquises, praças ou ruas da cidade? Minha preocupação está na causa do problema e não na consequência em si.
Pensar sobre a Cracolândia exige uma força transdisciplinar e de agentes diversos da sociedade para que, em conjunto, pensemos em medidas efetivas para a erradicação da condição de rua das pessoas, desabrigados e em situação de dependência química. A internação compulsória deve ser pensada em uma perspectiva mais ampla e não apenas de modo paliativo ou na ótica higienista, de políticos populistas e desumanos.
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Diante do uso compulsivo de drogas e da intervenção de diversos profissionais e mecanismos variados de tratamento, uma vez que se constata o risco real do usuário sobre sua vida e das demais pessoas, a internação compulsória pode ser pensada, mas não como o fim em si mesma, mas sim acompanhada de uma série de outras ações conjuntas para que, incluído na sociedade após o tratamento, o ex-usuário tenha, de fato e de direito, novas perspectivas de vida e realizações.
O que de fato impulsiona esse debate sobre internação compulsória? Uma real preocupação com a saúde e vida dos usuários e seus familiares ou a necessidade de retirá-los dos espaços da cidade como ação política populista, eleitoral, truculenta e higienista?
O crescimento das cidades, novas dinâmicas sociais, aumento da concentração de renda e pobreza têm levado diversos sujeitos sociais a situação de rua. Muitos deles, porém nem todos, estão em condição de dependência química e as causas não são necessariamente semelhantes.
Diante da inércia de efetivas políticas públicas e do crescimento da população em regiões de Cracolândia, a internação compulsória tornou-se uma válvula de escape para a “limpeza” da cidade, mas tal iniciativa reforça um estrutural preconceito e violência às pessoas mais vulneráveis de nosso país.
A questão que me preocupa consiste em analisar as causas fundamentais que levam o crescimento de pessoas em situação de rua, o aumento da população com dependência química e o que de fato pode ser feito para que tais causas sejam sanadas.
Outro ponto que quero destacar é a urgência de atuação de profissionais preocupados com uma formação humanizada e com a defesa ética da vida humana. Os profissionais da ponta que atuam com essa população são imprescindíveis, assistentes sociais, psicólogos, pedagogos, profissionais da segurança, saúde, assistência e outras áreas são responsáveis pela abordagem, orientação e proteção da dignidade humana.
A atuação profissional em sincronia à defesa da dignidade humana é um pressuposto ético. É necessário e urgente que exista em cada profissional, na verdade, em cada ser humano, um compromisso com a dignidade humana, a defesa inegociável da vida e o estabelecimento de relações que de fato afetem a humanidade das pessoas em condição de vulnerabilidade.
As pessoas em situação de rua e dependentes químicos das Cracolândias são mais do que a situação em que se encontram. Cada uma dessas pessoas tem potencialidades, habilidades e sonhos, cada uma delas tem uma singular história e suas trajetórias são marcadas por glórias e lutas.
A sensibilidade da abordagem dos profissionais é fundamental, pois é a partir desse contato que as esperanças são alimentadas e as possibilidades projetadas. Mais que uma intervenção compulsória, é urgente que exista um compromisso ético com a vida humana, um amor no trato, no contato e na relação que se estabelece.
Concomitante a abordagem humanizada e em defesa da dignidade humana, é necessário que pensemos o que de fato deve ser feito para que em uma ou duas décadas não exista mais no Brasil nenhuma Cracolândia, tampouco pessoas em situação de rua. Que não tenhamos mais mulheres que dormem com seus filhos nas marquises dos prédios, homens que se abrigam nas praças ou abaixo dos viadutos, pessoas trans que sofram violência nas ruas ou crianças fora das escolas.
Retirá-los das ruas sem um plano efetivo, quando a preocupação for higienista e voltada para uma “limpeza social”, sem ações de médio e longo prazo, reforçam o estrutural preconceito e negligencia as pessoas mais vulneráveis de nosso país.
Que nossa preocupação seja a defesa da dignidade humana e o compromisso ético em defesa da vida. Que nossa luta seja para que as condições estruturantes que levaram as pessoas para as ruas e Cracolândias deixem de existir. Que toda família tenha um teto para morar, que toda mulher tenha a segurança para sair às ruas, que todas as crianças tenham acesso a educação de qualidade, que todos jovens tenham igualdades nas oportunidades, que todas as pessoas em condição de vulnerabilidade tenham direito a assistência e tratamento digno e que todos nós juntos, sempre juntos, possamos fazer de nosso país um lugar onde todos sejam acolhidos e que ninguém mais seja excluído.
Felix Romanos
Instagram: @felixromanos7
(Esse texto não reflete, necessariamente, a opinião do HojeDiário.com)