Desde meu primeiro artigo para o Hoje Diário já falei algumas vezes sobre a guerra que a humanidade trava contra o Sars-CoV-2. Continuo convicto de que a humanidade não perderá essa disputa. A história das pandemias nos mostra isso. Tudo é uma questão de tempo, de forma e principalmente de quantos infelizmente ficarão pelo caminho.
Quando dou o título de “PERDEMOS” a este artigo, me refiro a algo mais complexo, mais antigo e de difícil resolução. O que perdemos, e é fato que a pandemia consolida essa perda, foi a oportunidade de rediscutimos o pacto social existente em nosso país, vislumbrando um horizonte efetivamente mais promissor e humanizado.
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O catedrático português Boaventura de Sousa Santos, em seu livro “A Cruel Pedagogia do Vírus”, defende que as sociedades, diante de pandemias como a atual, devem repensar os seus ritos, suas relações interpessoais, suas dependências econômico/financeiras. Defende principalmente que as pandemias nos ensinam que os vírus, por mais letais que sejam, não produzem efeitos tão nocivos quanto a desigualdade social desnudada e escancarada pelas crises sanitárias de âmbito global.
Nessa esteira de pensamento afirmo que perdemos. Desde o início da pandemia estava posto que o Brasil seria um dos epicentros da doença no Mundo. Seja pela negação da gravidade da doença, seja pela dificuldade na manutenção do isolamento social, passando pela não concessão dos meios necessários para o enfrentamento da crise, perdemos uma oportunidade ímpar para a promoção de uma gigantesca reforma social.
Ao contrário, principalmente em razão da desastrosa postura dos governantes, assistimos dia após dia o agravamento da fome, da pobreza, da desigualdade social. A morte do povo pobre, negro, periférico, que já era largamente relativizada pela elite cretina de nosso país, passou a constituir uma simples projeção numérica do desastre.
Em defesa do capital, para que CNPJs não morram como disse o Ministro da Economia, admitimos que as pessoas, os CPFs, fiquem pelo caminho. Não há como exigir que o cidadão fique em casa se ele não tiver o que comer, o que beber, o que dar para seus filhos. Como ficar em casa se muitas vezes não há uma casa para ficar?
A pandemia, repito, vai passar. Mas o anunciado novo normal somente existirá para a elite do atraso, como bem nomeia Jessé Souza. Para os demais haverá o velho normal, o normal desde a época do descobrimento, o normal criado nos navios negreiros, o normal forjado nos porões da ditadura, o normal que encontra toda bala perdida que corta o céu da quebrada.
(Esse texto não expressa, necessariamente, a opinião do site HojeDiário.com)