17 de maio, Dia Internacional contra a Homofobia: Conheça a história das pessoas que lutam contra o preconceito na região do Alto Tietê

Nesta quarta-feira (17), é celebrado o Dia Internacional contra Homofobia em todo o mundo. A data ficou marcada devido a uma decisão tomada pela Organização Mundial da Saúde, em 17 de maio de 1990, que retirou a homossexualidade da sua lista de enfermidades. Na época, era chamada de homossexualismo, com o sufixo “ismo” indicando uma doença. A mudança marcou a comunidade LGBTQIA+ e desde então a data tem sido um símbolo de luta e resistência. Diante disso, o portal HojeDiario.com realizou essa reportagem especial trazendo personagens que tem sua vida marcada pela luta contra o preconceito.

Lilian Carvalho tem 41 anos e é casada há 06 anos com sua esposa. Juntas, ela tem uma filhinha de 02 anos Membra da Frente LGBTQIA+ de Suzano e fundadora de um dos primeiros coletivos LGBTQIA+ da cidade, ela conta que sua luta começou porque se via sempre presa aos padrões impostos pela sociedade.

“Nossa sociedade é construída a partir de padrões que excluem, portanto, não haveria nenhuma chance de eu não ter sido vítima de homofobia. Não atender ao padrão que nos é imposto, mesmo que ele fira nossa existência, coloca todas as pessoas LGBTQIAPN+ na mira de preconceitos e discriminações. Enfrentei situações preconceituosas no trabalho, sofri muito com violência psicológica por parte de alguns membros da família”, contou.

Lilian Carvalho na primeira Parada LGBTQIA+ de Suzano; Foto Arquivo Pessoal

Filiada ao Partido Socialismo e Liberdade (PSOL), sua vida é marcada pela militância política, passando por escolas, manifestações e palestras com o objetivo de levar a luta pelos direitos da mulher e dos LGBTQIA+ por onde passa. A educação, porém, tem um lugar especial em seu coração, afinal, é a área onde trabalha há 22 anos.

Para ela, sua profissão é uma forma de espalhar ainda mais esse combate aos preconceitos.

“Atuo na educação pública do estado de São Paulo há 22 anos e todas às vezes em que estive em escolas onde havia respeito à diversidade os avanços foram muitos. Um bom exemplo disso, foi o projeto desenvolvido na E.E. Geraldo Justiniano (Suzano), nos anos em que fui diretora. Lá todo o projeto pedagógico era baseado no respeito às diferenças e, portanto, questões de gênero, sexualidade e orientação sexual eram discutidas em aula”, disse.

O resultado do projeto foram, de acordo com Lilian, foi uma escola acolhedora e que refletia sobre como melhorar a sociedade em que vivia.

“Eram montes de projetos do grêmio e de professores. Havia projeto dos estudantes para refletir sobre como o preconceito gera violência, e o resultado foi uma escola livre de violências, uma escola que acolhia estudantes e professores LGBTs”, detalhou.

Não foi numa escola assim, porém, que cresceu José Vandei Silva Oliveira, de 45 anos. Gay e hoje professor, antigamente era um aluno oprimido e excluído por “seu jeito de andar e de falar”.

“Na minha infância e na adolescência foi o período mais difícil em relação a homofobia. Fui muito apontado na escola devido ao meu jeito de falar e de andar. Isso trouxe traumas que influenciam diretamente hoje a minha autoestima. Acredito que uma das formas mais perversas de violência é o controle e padronização heteronormativo de nossas crianças”, destacou.

José Vandei Silva Oliveira; Foto: Arquivo Pessoal

Para combater o preconceito, seu refúgio foi os livros e a arte.

“Trabalho com educação e arte. Sou escritor e tenho dois livros de poesias publicados, escrevo literatura lgbtqia+. Uso minha escrita e minha poesia como uma ferramenta de esclarecimento à falta de informação e combate à violência causadas pela lgbtfobia”, disse.

Jacson Alves Ignácio também teve a mesma experiência negativa na escola.

“Lembro uma vez quando eu estava estudando numa escola e os meninos me zoavam muito e eu estava comendo e um desses meninos jogaram macarrão em mim e cheguei em casa todo machucado e não pude contar para minha mãe o porquê”, contou.

O nome Jacson, porém, é menos conhecido do que Tiffany Brandão, personagem drag queen feita por ele há quase uma década.

“Comecei [com a Tiffany] em uma brincadeira de Carnaval com um o grupo Arco-Íris com mais de 12 Drag Queens. Daí em diante não parei mais, fazendo shows em hostels, organizando eventos”.

Sua forma de combater a homofobia é se destacando como Tiffany por onde vai. Foi assim que foi eleita “Drag Queen Revista Pagina VIP” de 2022/2023 e já foi eleita a Rainha Gay do Carnaval de São Paulo. A emoção foi o maior sentimento que inundou o coração da drag.

“A página VIP para mim foi uma realização de um sonho aonde pude conhecer outras mulheres que passava por várias dificuldades durante o processo e nas rodas de conversa. Concursos como esse fortalecem a causa e dão espaço para nós, drag queens, conhecermos mais pessoas”, declarou.

Tiffany Brandão; Foto: Reprodução/Redes sociais

A emoção foi mais intensa quando conseguiu enxergar seus pais na plateia, assistindo a Tiffany receber o prêmio de Drag Queen do Ano.

“No dia da minha coroação de ter o meu pai e minha mãe na plateia assistindo isso foi muito emocionante. A página VIP entrou na minha vida para mudar e não só a minha como de outras mulheres empoderadas também. Ainda teve o sonho realizado de ganhar a Rainha do Carnaval de São Paulo. Desde pequeno sempre quis participar em coisas de Carnaval eu me apaixonava por tudo. Poder ganhar esse título e representar a nossa comunidade LGBTQIAP foi gratificante. Levar um pouco de nós e mostrar que podemos ser aceitos, respeitados e levar a diversidade o amor e a alegria a todos”, disse.

Violência

Mas nem tudo são flores. A violência contra a população LGBTQIA+ é tema constante nas falas e é algo que ainda assola o Brasil profundamente. Um dossiê divulgado pelo Observatório de Mortes e Violências contra LBGTI+ no Brasil mostrou que, em 2022, ocorreram 273 mortes dessas pessoas de forma violenta no país. Do total, 228 foram assassinatos.

Para José, a violência começa com a rejeição familiar que muitas pessoas LGBTQIA+ sofrem.

“Muitas famílias continuam expulsando as pessoas LGBTQIA+ de casa, causando uma marginalização econômica com a falta de oportunidade no mercado de trabalho. A falta de dados e subnotificações governamentais também dificulta a identificação de acusados e ainda a impunidade para os atos violentos, além do discurso de ódio potencializado nos últimos anos pelo ex-presidente [Jair Bolsonaro] e seus seguidores, pois quando ele fazia alguma fala lgbtfóbica autorizava as pessoas, principalmente seus simpatizantes, a fazerem o mesmo. Esses são os fatores que mais contribuem para manter o Brasil no ranking dos pais mais violento contra a população LGBTQIA+”, destacou.

Na opinião de Lilian, a população LGBTQIA+ tem sido escanteada e isso deixa muitos deles em situação de vulnerabilidade e mais expostos à violência.

“O aumento absurdo do desemprego, a miséria, o acesso à educação negado por conta da ‘expulsão’ que existe dentro das escolas por estas não serem espaços de acolhimento e respeito aos LGBTs, dentre outros fatores, colocam nossa população à margem da sociedade e em situação de muita vulnerabilidade”.

A diretora também não poupou críticas ao ex-presidente Jair Bolsonaro.

“Somado a isso, a política de morte instaurada no país nos últimos 4 anos por Bolsonaro e seus aliados agravou, sem dúvida nenhuma, uma situação que já não era boa, tornando o cenário favorável ao discurso de ódio e autorizou a violência contra LGBTs. A responsabilidade dessas 273 mortes é de quem estava no poder e colocou o aparato do governo a favor da morte de nossa população”, continuou.

Jacson concorda com eles e destaca que os discursos preconceituosos são a principal fonte de violência contra a população.

“Os discursos de ódio, intolerância religiosa, racismo, homofobia, transfobia, entre outros são os principais responsáveis por essas mortes. Mas ainda faltam de leis que preservem as nossas vidas. Se as leis fossem mais severas, muitas vidas seriam salvas”, destacou.

Para ele, ainda falta muita oportunidade para o público LGBTQIA+, mesmo no meio cultural.

“Faltam mais oportunidades principalmente no meio artístico cultural, como em aniversários das cidades, colocar artistas frequentes, realizar viradas culturais e entre outros eventos em que a Cultura da própria cidade poderia colocar a gente. Eu tive uma honra de estar participando e fazendo shows em Suzano e entrei para história como a primeira Drag Queen a fazer show na Festa Nordestina. Foi surreal. As culturas têm que nos colocar em mais lugares, não só um mês de parada, só em mês de orgulho, mas sim em todos os meses, em todas as comemorações. Precisamos estar em todos os lugares”, opinou.

No que falta avançar?

Apesar das grandes lutas, o Brasil avançou em muitos setores nos últimos anos. Em 2011, o Supremo Tribunal Federal (STF) declarou ilegal negar a união civil entre pessoas do mesmo sexo. Em 2013, o CNJ (Conselho Nacional de Justiça) obrigava cartórios de todo o país a celebrar casamentos homoafetivos. Em 2022, foram 12.987 casamentos LGBTQIA+ celebrados em todo o Brasil. 

Em 2019, o STF também decidiu criminalizar a homofobia como forma de racismo, determinando que casos de agressões contra o público LGBT sejam enquadrados como o crime de racismo até que uma norma específica seja aprovada pelo Congresso Nacional, o que até hoje não aconteceu.

No governo Lula atualmente foi criada a Secretaria Nacional dos Direitos das Pessoas LGBTQIA+, ligada ao Ministério dos Direitos Humanos e Cidadania, que tem como intenção pensar e sugerir políticas públicas voltadas para essa população.

Esse é um dos principais pontos que para José devem ser melhorados.

“Uma das principais formas de superação seria a criação de mais políticas públicas para pessoas LGBTQIA+, principalmente políticas municipais. Infelizmente, o nosso município Suzano é um claro exemplo de cidade que não desenvolve e não pensa política pública para pessoas LGBTQIA+, além de não oferecer oportunidades de cultura e lazer para nossa população”, protestou.

Para isso, ele que é um dos coordenadores da Frente LGBTQIA+ de Suzano ressalta a importância de movimentos como esse em prol dos direitos dessa parte da população.

“Considero de suma importância uma iniciativa de movimento civil como a Frente LGBTQIA+ de Suzano, para organizar politicamente nossa população na reivindicação e entendimento de seus direitos, no acolhimento em face às políticas de morte e na promoção de dignidade através da cultura e da arte”, disse.

Foto: Arquivo Pessoal

Lilian concorda com José e acredita que a necessidade da existência desse programa reside na omissão do Poder Público em garantir os direitos da população LGBTQIA+.

“Enquanto aqui no município não houver um projeto de poder que pense e faça com seriedade políticas públicas para nossa comunidade, estaremos organizados e ocuparemos as ruas para lutar pelo direito pleno de viver com acesso ao trabalho, à cultura, educação, lazer, saúde e tudo aquilo que nos garanta uma vida feliz e justa”, ressaltou.

Dia Internacional contra a Homofobia

Por fim, Jacson destacou que o dia 17 de maio significa para ele.

“Um dia de luta, um dia de resistência, um dia de conquista, um dia de tristeza pelas perdas de nossos amigos que se foram pela violência, mas também um dia de comemorar tudo aquilo que conquistamos até aqui”.

Para, José é um dia que reafirmação dos direitos de todas as pessoas.

“O dia 17 de maio, Dia Internacional da Luta contra a Homofobia, significa um marco histórico, primeiramente porque faz memória da data em que o termo “homossexualismo” passou a ser desconsiderado e a homossexualidade foi excluída da Classificação Estatística Internacional de Doenças e Problemas Relacionados com a Saúde (CID) da Organização Mundial da Saúde (OMS), dessa forma, esse dia representa sempre um momento de conscientização política e reafirmação de nosso direito inalienável de existir com dignidade”.

Lilian destaca este dia como o mais importante do movimento LGBTQIA+.

“Essa data marca, dentre outras coisas, um grande avanço no que se refere ao direito humano de existir que é o reconhecimento de que a homossexualidade não é, e nem nunca foi, uma doença. Orientação sexual é uma característica que, assim como qualquer outra, deve ser respeitada e acolhida. E é dever dos que estão no poder garantir que a sociedade se movimente dessa maneira; com respeito e humanidade”, finalizou.